quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Gravidez


Um dia, grávida, fui à casa de um amigo discutir uma proposta de trabalho com sua irmã. Era um colega de faculdade, eu não conhecia sua família. Não lembro bem se minha barriga já estava aparente, acho que começava a ficar mais pronunciada. Contei então da gravidez. Naquele momento, a notícia estava se espalhando entre os conhecidos.

(Desta vez, espalhou-se lentamente, ao contrário da primeira. Eu nunca seria o tipo de pessoa que, de maneira deliberada e planejada, aguarda os primeiros três meses para contar, já que pode “não dar certo” e é melhor ser discreto no princípio. Mas o fato é que, depois da experiência do aborto, recebemos a notícia de uma maneira diferente. Tudo parecia mais incerto e mais íntimo, não havia a vontade de espalhar a notícia aos quatro ventos. Não sei se é um sentimento mais maduro ou mais amargo, mas assim foi...)

Todos me parabenizaram. A mãe do meu amigo, que eu não conhecia, que eu jamais havia visto, ficou exultante e começou a contar o quanto havia gostado de suas gestações. Ainda me lembro vivamente dela falando como gostava de sentir “aquela barriga enorme, aquelas crianças crescendo dentro de mim”. Eu ri, espantada. Espantada!

Achei engraçado, excêntrico. Nunca me havia passado pela cabeça encarar a gravidez – a gravidez em si, o processo fisiológico, a sensação física – como algo positivo. Basicamente, a gravidez era um certo incômodo que é necessário atravessar para ter um filho.

Acho que levei muito tempo para processar aquele momento. Aquela mulher que eu não conhecia e de cujo nome já não me lembro provavelmente nem imagina com que gratidão penso nela hoje.

Eu ainda não sabia, mas naquela época uma chave começava a virar dentro de mim. Eu começava a me aproximar do meu corpo de mulher. A aprender a não negá-lo. Um aprendizado árduo, pois requer a desconstrução de toda uma história de negação do corpo, sobretudo do corpo feminino.

E não vai aqui nenhuma apologia à “gravidez de comercial de margarina”. Esta também é uma negação, na medida em que idealiza o processo. Há incômodos, objetivos, fisiológicos. Mas quando se trata de seres humanos, nada é puramente objetivo e fisiológico.

A gravidez (e também os momentos da concepção e do puerpério) é um momento absolutamente incrível para nos apropriarmos de nosso corpo, conhecê-lo, reconhecê-lo e amá-lo.

Realmente, que coisa incrível aquela barriga enorme, aquela criança crescendo dentro de mim.

Obrigada.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Pedaços


"Todos os dias quando acordo não tenho mais o tempo que passou.
Mas tenho muito tempo."

Essa foi uma das minhas músicas favoritas da adolescência, de chorar sempre que eu ouvia.

Ontem estava num hotel e peguei uma revista, dessas bobas de cortesia de sala de espera, e essas frases estavam lá. E pareceu estranhamente que era a primeira vez que eu olhava para elas. Aquilo que eu cantarolei (ou gritei, ao melhor estilo 16 anos) tantas vezes na vida se apresentou com o brilho da novidade diante dos meu olhos.

Tão interessante esse momento da vida em que a gente consegue ter pontos de referência suficientes do nosso passado para alinhavar uma história. Tão gostoso juntar os nosso retalhos nessa colcha inusitada e óbvia, porque tem a nossa cara. Tão reconfortante olhar para os nossos pedaços com carinho, até aqueles que a gente já pode jogar fora. E mais ainda aqueles que a gente pode recolher de volta dessa lixeira tão esperta que não apaga nada, só reserva.

Não gostamos de envelhecer. Mas envelhecer é belo.

("O mundo começa agora. Apenas começamos.")