Depois que tive minha filha,
minha casa passou alguns meses praticamente sob a luz de um abajur da sala,
coberto com um lenço lilás para quebrar a luminosidade. Na época influenciada
pela ideia da exterogestação, hoje acho que muito daquela penumbra era para
mim. As luzes e o volume da TV aqui em casa nunca mais foram os mesmos. E eu tão
reconhecidamente estabanada ando ligeiramente fascinada pelos gestos calmos e
precisos de meu marido e minha filha. Ando fascinada pela delicadeza.
Os clichês são uma desgraça.
Eles ajudam a organizar a nossa compreensão do mundo, mas depois dá um trabalho
desconstruir tudo... É que a delicadeza não precisa ser bem assim penumbra e
tons pastel. Eu tenho uma tia que é um furacão de alegria, vibrante, bem-humorada,
espalhada. E uma delicadeza. Não deve ser à toa que tenho pensado muito nela.
Recentemente virei fã de
uma série de época inglesa, daquelas em que todos escolhem cada palavra,
numa ginástica entre protocolo e circunstância, para se portar apropriadamente no
trato com cada pessoa de cada nível social. Um pesadelo de hipocrisia, submissão
e artificialidade? É... Há um certo tempo eu diria somente isso. Mas hoje tem
alguma coisa ali que me atrai. A ideia de que é necessário avaliar o que se diz
às pessoas, de que as coisas devem ser ditas de modo apropriado, de que há uma
certa linha de contenção a ser respeitada, isso tem me interessado. (Talvez seja
algo que a gente desenvolve após passar meses ouvindo cada ser humano conhecido
e desconhecido te dizer se você devia ou não dar chupeta à sua filha.)
J’aime la politesse?... Evidente
que esse tipo de relação protocolar se instaura para a manutenção do status quo,
e não pelo respeito ao ser humano. E eu gosto das relações quentes e francas, não
das frias e cifradas. No entanto... No entanto deveríamos pensar se o que vamos
dizer ou fazer aos outros despertará um sorriso, trará um bem, suscitará beleza,
proporcionará descobertas, subirá aos céus, culminará na revolução. Ou então, talvez
possa esperar.
Estou lendo Carl Rogers,
um psicólogo cujo livro me caiu nas mãos e seria uma história comprida explicar
por que me interessei por ler. Acabei não lendo psicólogos na vida. De Freud
alguma coisa há uma década. Da linguística na faculdade de Letras, Lacan virou
fumaça no fundo do meu cérebro, e o Chomsky nem era psicólogo, ou era? Bom,
estou lendo este. E ainda não achei nada muito interessante do ponto de vista
da compreensão radical, crítica ou social do ser humano. O sujeito está
interessado em descobrir como se estabelecem relações de ajuda, e se e como a
terapia funciona. Ele acha que funciona. E que funciona pela aceitação. Que ao
terapeuta cabe aceitar o cliente (ele diz cliente), o qual acaba por aceitar-se
em suas múltiplas faces não congruentes, e assim permite-se ser, e em sendo se
transforma. Muito autoajuda?... Meio hippie?... Estou gostando. Tem feito sentido
neste momento da minha vida.
Talvez esteja aí a delicadeza:
ser precariamente, deixar ser precariamente, porque a plenitude só está no
horizonte, mas pelo menos está lá.
E porque há quem fale de
delicadeza muito melhor do que eu:
Adorei o texto! Lindo reflexão!!
ResponderExcluirObrigada, Bárbara, e seja bem-vinda!
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