terça-feira, 5 de abril de 2022

Devorada

 

Exausta, deito com meu livro novo, o da antropóloga que sobreviveu ao ataque do urso.

Deito na esperança de adormecer lendo. Adormecer lendo é o refúgio que aprendi na infância. A bondade de um acordo tácito no qual eu finjo que não quero dormir e o livro finge que acredita, me sustentando tranquila e amparada até o sono chegar.

Quando estou cansada, não tenho forças para dormir. Quero demais esse adormecimento quase involuntário, quase narcótico, que chega como se eu não o estivesse esperando, como se acaso fosse.

Acaso não. Um ato de misericórdia do universo que me concede chegar ao sono sem passar pela solidão que o precede. Um sono sem escuro.

Não sei ensinar a adormecer porque sou eu mesma incapaz de adormecer.

O livro me devora: sou sua, não o contrário. Quem espera a compaixão do universo não deve se fiar em livros bons e finos.

Eu queria ser capaz de adormecer.


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