Frequentemente,
passo as noites correndo para fugir de alguém ou procurando alguma coisa. É sempre
muito estressante, e às vezes acabo subindo em escadas ou estruturas altas que me
apavoram, e não sou capaz de descer. Tenho aprendido a acordar antes que a jornada
me canse ou assuste demais, mas nem sempre consigo. (Talvez por isso eu deteste
aqueles filmes com muitas peripécias, sucessões intermináveis de eventos que não
caminham para o desfecho, complicando cada vez mais a situação. Eles me deixam
exausta. Se houver narrador, me irritam – ou entediam – ainda mais.)
No entanto,
também circulo por um mundo conhecido, espaços recorrentes onde a vida se
desenvolve. Eles constituem um universo que habito. Eu o conheço, reconheço
lugares e coisas, vivo nele. As casas de meus avós, como eram na minha infância;
a casa de uma tia onde não vivi tanto assim, mas que por algum motivo me
fascina; casas onde morei. Mas também lugares que, apesar de sua existência exclusivamente
onírica, constituem um mundo muito concreto no qual diferentes histórias se desenrolam,
às vezes ao longo de anos.
Atualmente,
tenho um apartamento. Pequeno, como o meu apartamento. Ele integra enredos nos quais
estou sempre procurando ou tentando implementar formas de acomodar melhor toda
a vida ali dentro. Diminuto, está todo preenchido e organizado, de uma maneira
que, apesar de às vezes non sense,
faz sentido.
Há noites
em que ele transmuta-se em um imóvel enorme, uma dádiva que não sei bem como se
realizou, uma casa com inumeráveis cômodos onde se poderiam fazer incontáveis coisas.
Mas ela não é minha, de algum modo. Os cômodos são embaralhados, labirínticos;
seus formatos são inusuais e há portas e corredores estranhamente posicionados.
Apesar da grande disponibilidade de espaço, nunca consigo organizá-lo de modo satisfatório.
Limito-me a alguns poucos cômodos, às vezes apenas um quarto, como uma
habitante de hotel. Não gosto dali, não vale a pena.
Volto
a meu apartamento pequeno. Descobri que ele tem uma porta, nos fundos, a qual dá
para um salão onde caberia outro apartamento inteiro. Eu não sabia da existência
dessa área, ela não me pertence, não sei por que está ali. É como aqueles apartamentos térreos que abrem para
uma área que é do condomínio, mas não se comunica com o restante do terreno,
formando na prática um quintalzinho, o qual do ponto de vista jurídico não poderia
ser apropriado privadamente pela unidade, mas que também na prática não será convertido
em área comum. Um limbo.
O espaço
principal do salão é quadrado, mas em sua porção direita, segundo a perspectiva
de quem entra, há um dente na planta que amplia um pouco mais a área, abrigando
duas saletas contíguas. A porta do salão posiciona-se em seu canto esquerdo, e à
direita há uma parede toda de vidro, a maior delas, que se estende por toda uma
lateral do quadrado até o fim das saletas; algumas vezes ele é aberto nas
laterais, como certos terraços de sobrado.
Durante
um tempo, houve ali apenas objetos abandonados antes de mim. Restos de uma reforma
que alguém fez. Não sendo francamente meu, assim ficou, demorei a tomar alguma
atitude quanto a esse espaço.
Houve
depois uma época em que ele começou a servir de depósito para umas poucas tralhas
minhas, embora não me lembre de como as fui colocando lá. Umas das saletas era
a sala de costura da minha mãe. Mas fazia muito calor ali.
Um dia
me dei conta de que a outra saleta estava repleta de vasos velhos com plantas
ressequidas. Comprei outros vasos, com flores e pés de mexerica. Às vezes, Teresa
me ajudava na escolha das flores.
Minha
mãe não quis mais a sala de costura. Não sei bem por quê. Parece que houve
algum conflito, mas no fim ela também pode ter achado que ali era quente
demais. Lembro-me vagamente de tentar manter o lugar como sala de costura para
mim, mas não deu certo.
Esses
usos foram interessantes, agregaram possibilidades, mas não desafogavam meu
apartamento. Até que decidi transferir para as saletas o meu escritório. Coloquei
uma mesa comprida, de frente para a parede de vidro; fiz qualquer coisa na estrutura
que envolveu a aplicação de rebites em uma esquadria de alumínio; instalei uma
estante de madeira escura repleta de livros, uma poltrona de couro, um papel de
parede urbano e contemporâneo, e um fio de lâmpadas coloridas dependuradas aqui e
ali. Uma combinação um tanto bizarra de consultório de um psicanalista sóbrio, escritório
de um freelancer descolado e quarto
de uma adolescente. Não consegui adjetivar a adolescente.
Tenho
trabalhado ali.
Quanto
ao salão principal, hoje ele está limpo e abriga apenas (no lado oposto à porta
de vidro, no canto esquerdo de quem olha da saleta e em frente à porta de
entrada do cômodo) uma grande banheira de mármore esverdeado. Ela é muito rasa
e muito bonita. Minha filha descobriu que adora banheiras, e queria ter uma em
casa. Eu sempre quis.