terça-feira, 31 de agosto de 2021

O gosto do tempo

 

Na casa da minha amiga tinha sempre pão com requeijão e bolo de brigadeiro, que a mãe dela fazia. Sempre afundava no meio, e aquele bolo melado e convexo na forma redonda de inox ficou sendo para mim a imagem platônica do bolo de brigadeiro, da qual todos os outros viriam a ser o real que trai o ideal, como ocorre com os namoros e o amor, por exemplo.

Eu cresci com esse bolo, é o que sinto, mas a verdade é que ele entrou na minha vida quando eu já me encaminhava para a adolescência.

Da infância tenho lembranças mais fragmentárias, e não tenho certeza se o bolo da minha avó – recheado sempre com uma lata de leite condensado cozida e coberto de confeito colorido – era mesmo sempre esse ou se sou eu que repito indefinidamente um determinado aniversário estendendo a todos os primos aqueles mesmos confeitos e o encantamento com a habilidade mágica de se cozinhar uma lata e obter o creme denso, macio, brilhante. Episódios limitados ganham perenidade na nossa memória de mortais.

Nunca fui tão de doces, mas coca-cola com chocolate pode parecer o lanche de uma adolescência inteira mesmo se você só o comeu às vezes, no intervalo das aulas da tarde, naquela combinação de prazer e ansiedade que na juventude tem a cara da independência. Quando eu soube que Renato Russo morreu, estava lanchando coca-cola com chocolate. Minha amiga, outra, teve raiva, disse que não o perdoava. Perplexidade às três da tarde.

Quando comi torta de frango com café, sozinha, na mesa de uma lanchonete, fiquei adulta. A gente fica adulta muitas vezes, e é sempre um acontecimento.

Na casa dos meus pais não tinha torta. Tinha a moqueca com o molho denso amarelo pleno, tinha o manjar com as ameixas das quais me aproximei muito lentamente, um aprendizado, tinha churrasco cortado em tirinhas finas e pão com vinagrete que eu como sempre sempre muito. Mas não tinha torta. Torta era comida da rua, comida do mundo lá fora. E eu não tomava café, tomava coca-cola. Por que os adultos tomavam café se tinha coca?

Tomar café com torta de frango na mesa da faculdade combinava muito com o xerox de um cara chamado Jakobson que eu precisava ler e cujo nome não sabia pronunciar.

Hoje sentei num café e pedi um expresso com torta de frango. Me deu saudade.