sexta-feira, 29 de março de 2013

Breve contribuição à puericultura de boteco


Criança não faz o peito da mãe de chupeta. Não sabemos se primeiro veio o ovo ou a galinha, mas certamente o peito veio primeiro que a chupeta. Portanto é o contrário: adultos dão chupeta para a criança fazer de peito. E tudo bem: cada um sabe das suas disponibilidades, possibilidades e limites - deixemos também às mães essa prerrogativa.


Criança chupar chupeta não é feio. Nem o dedo. Nem o peito. Adulto fuma, bebe, fala mal dos outros, faz palavra cruzada, corre, medita e tantas outras coisas para "desestressar". Deixa o bebê dar a chupadinha dele, oras! Em algum momento ele acabará trocando esse hábito por um dos tantos alívios e refrigérios morais e imorais legados pela raça humana.


"Fulano é uma pessoa muito limitada" - esta frase parece um elogio? Então por que a coisa mais fundamental a respeito da educação infantil seria dar "limites" às crianças?...


Criança fica manhosa perto da mãe. Queria que fosse perto do chefe?!


Um bebê que dorme a noite toda é uma bênção para a mãe. Mas a mãe não ter insônia é uma alegria que não fica muito atrás...

domingo, 17 de março de 2013

Casa tomada


Desde quinta-feira fui tomada por um acachapante mau-humor e uma intransigente necessidade de introspecção. De ficar quieta e só. (Numa semana cuja programação incluía três festas de aniversário de pessoas muito queridas e uma visita aos sogros... As festas ficaram impossíveis). Como se eu precisasse de uma extrema concentração, de me apertar toda, muito, até conseguir botar pra fora o que precisa sair, enxergar o que está tão dentro de mim.

Curioso como me vem precisamente essa imagem, que remete de maneira tão óbvia ao parto. Não o meu, que as circunstâncias fizeram com que fosse uma cesárea... Mas o que li, ouvi e fantasiei; talvez o parto arquétipo.

Curiosa outra coisa, também. É clichê afirmar que ter um filho muda a sua vida e que a experiência, embora linda e gratificante, traz dificuldades. E elas são facilmente enumeradas por qualquer conhecido ou desconhecido (e como desconhecidos com filhos interagem!!): noites sem sono, troca de fraldas frequente e nas horas e locais mais inconvenientes, mudanças em seus horários, necessidade de abrir mão de certas diversões e situações sociais, conflitos com os filhos (birra, manha, a famosa falta de “limites”...), mudanças na vida sexual, dificuldade de conciliar trabalho e convivência familiar, falta de tempo, de ajuda, de dinheiro, e tantos vários etcéteras... Mas ninguém fala do ponto central (ou era eu que não estava prestando atenção?): a experiência da maternidade acarreta uma das mais poderosas reestruturações emocionais da nossa vida. Você achava que aquela identidade tão arduamente construída desde a adolescência até ali seus vinte e tantos estava enfim confortavelmente instalada na sua vida? Tenha um filho e comece tudo outra vez! Bom, pelo menos tem sido assim comigo...

Então é isso: a gente achava que era difícil parir o filho, mas o que dá trabalho mesmo é parir a mãe... Não propriamente a mãe, mas essa mulher nova que inclui a mãe, e no entanto não coincide com ela. Não coincide com a mãe que somos, porque somos algo mais que mãe. Nem muito menos coincide com a mãe abstrata – da mais pura Gaia até a executiva que orgulhosamente equilibra terninho e mamadeira –, esse fantasma que com a maior desfaçatez sussurra nossa patente imperfeição em nossos vulneráveis(?) ouvidos.

Nesse último ano, tão intenso, ainda não tinha experimentado uma necessidade de recolhimento tão visceral. As últimas semanas têm sido particularmente exaustivas: parece que cada ajuste implementado no cotidiano se torna cada vez mais rapidamente obsoleto ou ineficaz – tudo pesa, do preparo do almoço ao prazo do mestrado. Preciso ficar quieta.

O luminoso: se deixar dominar pelo recolhimento, agarrá-lo com a força da vida e obrigá-lo a cuspir o novo, o potente. Quem?


sábado, 2 de março de 2013

Descompasso


A vida é um descompasso. Ou vai ver que sou eu... Difícil pensar num deleite maior que a sensação pungente de que simplesmente estamos onde queríamos estar. Para mim ela remete à imagem – um clichê sem tamanho... – de uma espreguiçadeira na praia, uma caipirinha na mão e a pele morna de sol. A memória dessa sensação rara e fugaz me faz pensar em alguma coisa como estar flutuando... Imagino ser natural que isso só aconteça de maneira avassaladora umas poucas vezes na vida, e que na maioria do tempo essa satisfação seria mais como uma tranquilidade sorridente. Mas minha impressão é que passo uma parte grande demais da minha vida cumprindo tabela onde estou e querendo avançar pra outro canto...

No momento, o grande onde-estou-e-não-queria-ficar é meu mestrado, que tem sido fonte de desmesuradas angústias... Uma das coisas mais pertinentes que já fiz na vida foi cursar minha segunda faculdade. Foi um momento muito intenso de aprendizado, de contato com pessoas tão interessantes que me ensinaram a entender de maneiras novas e esclarecedoras o mundo e a mim mesma, de encontrar um lugar para mim. Eu estava exatamente onde queria. Por algum tempo... Hoje penso que entrar no mestrado foi, entre outras coisas, uma tentativa de estender esse momento.

Mas estava claro que ele tinha passado, os planos já eram outros: eu tinha um trabalho novo que me interessava, começava a pensar em ter filhos, aprender a plantar coisinhas na varanda (quem conhece minha varanda está rolando de rir agora) e cozinhar direito... O resultado é que o mestrado se arrasta, pois me faltam tempo e energia e sobretudo ímpeto para concluí-lo; meu trabalho segue precário; e minha casa e minha filha acabam negligenciadas por uma mulher que anda se sentindo tão atropelada por tudo que faz de cada coisa um fardo...

Colocar a vida em fase – esse é o desafio. “Sê inteiro”. Aproximar a ação e a vontade.

Mas a beleza da vida também está no irrequieto, não? Outro dia, na minha aula de yoga, minha filha levava seus tombinhos enquanto tentava aprender coisas monumentais como andar, subir no sofá, desligar o aparelho de som... Rindo, a professora ponderou: “É que a vontade vem primeiro. Ela vem antes de se desenvolverem os recursos, ela é o impulso.” A gente começa a andar meio torto até aprender, e nem bem está andando já quer correr...