sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Movimento


Nesta revisão da minha maternidade, lembranças se revelam, memórias se constroem. E muito aprendo.

Lendo sobre a abordagem da assistência ao parto na sociedade ocidental moderna, descubro que o início desse movimento que no Brasil comumente se chama de “humanização” do parto remonta a uma reivindicação das mulheres inglesas, em meados do século XX, por não serem obrigadas a se deitar durante o trabalho de parto, pela possibilidade de atravessarem esse processo na posição que preferissem.

Não deveria ser espantoso – sobretudo no seio da civilização que instituiu as liberdades individuais como princípio fundamental – que um ser humano em pleno gozo de suas faculdades físicas e mentais precise reivindicar o direito de manter seu corpo na posição em que bem entender?

Não consigo evitar a resposta de que em nossa sociedade as mulheres não são realmente encaradas como indivíduos em pleno gozo das faculdades humanas. Naturalmente instáveis – com todos esses ciclos, hormônios e caprichos –, como permitir que tomem decisões livremente? Some-se a isso uma ideologia tecnocrática, e eis que estamos diante de uma leiga voluntariosa a qual tenta irresponsavelmente desafiar um profissional sensato que só deseja o bem dela.

De modo geral, minha tendência é legitimar as formas racionalizadas de entendimento do mundo. A busca pela razão foi sempre o meu caminho. Mas tenho aprendido a me aproximar das possibilidades do intuitivo e do visceral. E isso certamente tem uma raiz na(s) minha(s) gravidez(es). Porque a gravidez acontece também na alma, mas ela é incontornável no corpo...

Após o aborto espontâneo para o qual evoluiu minha primeira gestação, a obstetra que me acompanhava prescreveu um remédio a fim de ajudar a “limpar o útero” e evitar uma possível curetagem. Eu não fazia a menor ideia do que se tratava, mas acatei a recomendação. (Assim procedem os médicos conosco, e assim procedemos nós com os médicos...) Ela não me explicou nada sobre aquele comprimido ou a respeito do que se passaria comigo, apenas indicou que o tomar era uma conduta normal em caso de aborto espontâneo. Tomei o remédio à noite, antes de me deitar para dormir. E comecei então a sentir cólicas que foram aumentando gradualmente, tornaram-se muito intensas, vindo em ondas. Eu não sabia se podia tomar algum analgésico, era de noite, por isso não telefonei para ela. Apenas fiquei ali, ao longo de não sei quanto tempo, lidando com aquilo.

A dor não me impedia somente de dormir, mas também de ficar quieta. Era muito desconfortável deitar de barriga para cima – apesar de parecido com cólicas menstruais, não era igual, e não ajudava deitar com uma bolsa quente na barriga, como costumo fazer com as cólicas menstruais. Era impossível estirar o corpo, fosse deitada ou de pé. Eu precisava me contorcer, e vocalizar. Ficar em posição fetal ajudava muito, em alguns momentos. Em outros, era confortável ficar sentada, meio dobrada. Passei muito tempo sentada abraçando meus joelhos. Mas, essencialmente, eu precisava me mexer. Em alguns momentos, o abraço do meu marido era uma grande fonte de conforto. Em outros eu não queria que absolutamente nada me tocasse.

E isso foi apenas um comprimido – eu não estava em trabalho de parto.

Não tomei mais o remédio. Mas aquele comprimido que, para o propósito em vista, foi aparentemente inútil (pois não tive mais sangramentos e meu ultrassom seguinte foi ótimo) na verdade talvez tenha plantado em mim uma semente muito mais importante do que eu pudesse imaginar. Aquelas poucas horas me fizeram encarar de uma maneira nova as discussões sobre atendimento obstétrico das quais eu apenas começava a me aproximar.

Sempre fui do tipo que não para quieta. Sempre odiei que me segurassem, que prendessem meus movimentos. Como poderia ter meu filho presa a uma cama?

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Gentileza


O enfermeiro entra na sala, para, me olha por alguns instantes com firmeza e bondade, e lança, um pouco teatral:

- Eu vos digo: boa noite!

Mesmo com enxaqueca, como não sorrir?