quarta-feira, 13 de março de 2024

Brechas

 

Nunca tenho tempo de ler um livro, exceto precisamente quando não tenho um comigo.

O shopping elegante onde estou tem loja Chanel (Channel?), porém a livraria não tem o livro do mês do meu clube de leitura. O do mês passado eu apenas consegui tirar do plástico, e agora receio não ter tempo para ler novamente até o mês que vem.

Decidi parar para uma tigela de sopa e uma taça de vinho antes de ir para casa, após doze horas ininterruptas de trabalho. Uma ideia possivelmente equivocada de autoindulgência.

Talvez eu coma um croissant.

Estou ficando velha e não tenho a menor ideia de coisa alguma. A sabedoria da velhice, é com quanta velhice que ela chega?

Hoje ouvi uma coisa perturbadora na rede social. Uma amiga refletindo que, aos quarenta anos, após uma vida de dietas, ela decidiu que nunca mais comerá nada de que ela não goste. Isso não foi perturbador, eu decidi faz muitos anos que desisto da briga das dietas, dos procedimentos estéticos dolorosos, a gente não pode naturalizar assim o autossuplício. As mulheres tantas vezes nem notamos o autossuplício constitutivo da nossa própria existência.

A coisa perturbadora que ela disse foi: não é possível que a gente siga sempre assim, se apertando o tempo inteiro.

Se apertando o tempo inteiro.

Além da dieta, também faz tempo que decidi parar de me apertar na silhueta. Meus anos de lingerie de compressão foram poucos. O que é demais.

Mas em algum lugar eu me aperto. Senão, não estaria aqui falando nisso.

Até olhei rapidamente as prateleiras em busca de uma compra por impulso. Como pode uma livraria para gente tão rica ser tão pobre?... Descubro que a antropóloga francesa atacada pelo urso siberiano escreveu outro livro, um grande agora. Mas e se ele estragar o primeiro? Não é algo para se fazer por impulso.

Peço o croissant.

Para minha salvação, o caderno eu trago sempre comigo.