quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Acolhimento


Hoje foi dia de enxaqueca. Começou na madrugada de domingo para segunda, e ontem durou o dia todo, a noite toda... Dor oscilando no moderado-intenso. Deu pra fazer um omelete no almoço, trabalhar um pouco à tarde. Mas no jantar, pão e coca-cola. Na madrugada, o desespero do “vou pro hospital” aplacado por um banho imenso sentada no banheiro. Mas hoje acordo pior ainda, com a filha querendo brincar e a mãe saindo para a rodoviária de volta de uma visita no fim de semana. Marido abduzido pelo trabalho. O já muitíssimo conhecido desamparo do dia da enxaqueca, revestido de um novo desespero quando sua bebê não entende nada e nada pode fazer além de precisar dos seus cuidados... Antes até dava para meter a menina no sling, entrar no táxi em direção ao hospital, e ficar com ela no colo e até amamentar enquanto o soro pinga e o sono morno e narcoléptico chega (claro que depois de responder a quatro diferentes funcionários que não, você não tem com quem deixar a criança...) – mas agora ela quer engatinhar pelo hospital e arrancar o acesso do meu braço, aquele penduricalho bizarro que não é parte de sua mãe...

Cinco minutos de choro e andar em círculos; ódio do trabalho do marido e da viagem da mãe. Decido: vou para o hospital. Tento a meio-que-babá, sempre atenciosa e que responde tão prontamente, e nada... Apelo no telefone com o marido consternado. Vamos aos amigos. Karen, uma amiga relativamente recente e sempre incrivelmente carinhosa e disponível para comigo e minha filha, diz simplesmente, assim de cara, que chega em dez minutos. E chega. E mantém o bom-humor quando temos de instalar a cadeirinha de bebê no carro, e quando mudamos de caminho por causa do congestionamento, e assim acabamos dando num hospital ao qual ela nem sabe chegar, e quase que nem eu... Tranquila me explica que precisa levar o marido ao aeroporto daí a um tempo e sugere levar Teresa consigo caso eu ainda esteja lá – e certamente estarei... Caramba, mas você tem coragem? E se ela chorar, faz o quê? Não se desespera? “Claro que não! Você não precisa se cuidar? Então se ela chorar eu cuido dela, oras.” E cuidou, e eu me cuidei, e quando cheguei de táxi a sua casa minha cabeça já não parecia explodir, e Teresa esfregava um pedaço de morango no sofá de Karen, que achava graça. Mamou em breve, mas não imediatamente. Tão crescida...

A vida tem sido intensa por aqui. A solidão e o sentimento de que nada retoma seu lugar. Nunca me haviam explicado que após o nascimento de um filho a gente tem vontade de trocar todas as roupas e arrumar a casa inteira. Diz a terapeuta que a solidão do pós-parto é a solidão de crescer, que tornar-se adulto é algo que só se faz sozinho. Tão esclarecedora já a primeira sessão... Mas sozinho não é o mesmo que isolado e sem recursos. Nada retoma seu lugar, porque nem os lugares são os mesmos, nem as coisas nos lugares. Um homem não entra duas vezes no mesmo rio, e o cara já disse isso faz tempo... E a gente vai procurando o jeito de fazer a vida concreta, de enxergar que “o que tem pra hoje” é tudo que se tem, e vale muito.

As coisas têm sido intensas aqui dentro. E volta e meia transbordam na forma de insônia. Como eu posso – após um dia tomando analgésicos, narcóticos e antieméticos na veia, tendo dado várias pescadas enquanto esperava o marido me buscar na casa da amiga, e mal sustentando a conversa durante o jantar –, como eu posso estar rolando na cama às três da madrugada? Amanhã vai ser dose... A insônia é a vida cheia demais, emaranhada demais, que não acomoda na cama. Precisa aparar, desembaraçar, entender o que fica e o que sai.

Então, resolvi escrever. Alguém vai ler? Não sei. Vem depois. Quem escreve sabe que, para quem escreve, o essencial é escrever.