quarta-feira, 24 de julho de 2019

Tesouros


Minha avó paterna espalhava tesouros pela casa.

Bastava erguer a tampa das dezenas de potes distribuídos pelo apartamento para encontrar balas soft cortadas ao meio prontas para comer sem engasgar. Abrindo latas de biscoito, encontrávamos torradinhas finas de pão dormido, que ela não esquecia no forno até queimar, como eu. A caixinha de costura revelava uma fortuna em botões e variadas miudezas que rendiam horas de habilidades descobertas. Das gavetas surgiam objetos extraordinários como jogos de baralho, lápis de escrever com uma borrachinha encaixada na ponta, livros e folhetos contando histórias de santos, carmelitas descalças e sobre a origem da vida.

Ela plantava as peças pela casa e nós íamos encontrando, como se acaso fosse, aqueles pedacinhos de mundo.

Meu pai herdou esse hábito de espalhar tesouros. Os dele vêm escondidos dentro das palavras, liberadas no ar.

Ele as planta em apelidos engraçados, frases inusitadas, canções aparentemente sem sentido. Como uma lata de biscoitos colorida que aguarda confiante até ser aberta.

Assim, Isabeluca já sabe, em tão tenra idade, tanto ouvir rimas como defender-se da acusação de maluca. O singelo Juju que a prima trouxe da infância arrasta vistosos balangandãs fartamente ofertados às crianças. O gelo que escorrega inadvertidamente pela garganta em um susto não é vidro, e tudo bem porque pedra d'água derrete.

Um avô poeta. Ele nem sabe.