terça-feira, 19 de maio de 2020

Desencanto


“Ela não vê que toda gente
Já está sofrendo normalmente”

Esses versos me vêm à mente o tempo todo nesta época em que todos anseiam voltar à normalidade.

Normalidade: ganhar as ruas para... o trabalho.

A respeitável reivindicação da rua caminho do trabalho, espaço de consumo.

“Você não quer acreditar
Mas isso é tão normal”

É desolador revisitar as canções dos anos 1960, 1970. Estava tudo lá, a denúncia, a utopia.

Já estava tudo lá, e nós estamos aqui.

Ela desatina, nós estiolamos.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Onze de maio


Hoje, 11 de maio de 2020, faz dez anos que eu soube que perdi meu bebê.

Levei quase dez anos para dizer "perdi meu bebê".

Eu não sabia a data. Por dez anos eu não soube a data.

Ontem pensei nisso e lembrei que ainda tenho os exames. Revirei a caixa. Em 11 de maio de 2010 fiz o exame que mostrou que não se formou o embrião.

Nunca houve embrião.

Eu estava grávida de um embrião que não havia.

Preciso repetir muitas vezes porque não entendo.

No dia 15 de maio começou o sangramento.

Eu estava no banheiro do CEU Butantã depois de um show do Xangai.

Eu estava em um show quatro dias depois de saber que meu bebê era um embrião que não se formou. Por quê?

Eu não chorei. Estava no banheiro do CEU Butantã saindo de um show, não era conveniente chorar.

Era véspera do dia das mães.

Algumas histórias precisam ser contadas muitas vezes.