terça-feira, 29 de março de 2022

Minha natureza


Gosto de fazer yoga no parque, sob o dossel das árvores, rodeada pelas plantas que brilham e pulsam quase desordenadamente, alimentadas pela umidade do verão.

Inspiro profundamente o ar claro.

Estendo no chão meu grande tapete.

Passo bastante spray repelente, em mim e nele.

Gosto assim.

quinta-feira, 17 de março de 2022

Mergulho raso

 

Tenho usado o horário de almoço do home office para nadar na piscina do meu prédio. A América Latina, esse maná de realismo fantástico onde a gente pode unir direitos trabalhistas a privilégios de classe e seguir vivendo como se não precisasse da revolução.

Debaixo d’água, penso no livro que estou escrevendo, sobre maternidade. E me pergunto por que alguém ainda estaria escrevendo um livro sobre isso depois que A filha perdida já foi escrito e filmado.

Fico ainda mais cética de mim mesma quando lembro que desejo escrever um livro sobre maternidade com uma perspectiva positiva. Aparentemente o mundo não precisa disso. Mas eu preciso. Desenhar para mim mesma uma porta, um caminho, uma fagulha de prazer no meio do cotidiano massacrante.

Meu pescoço dói faz quatro meses. Do lado esquerdo. O pé esquerdo também dói, faz mais tempo. Eu acho a coincidência intrigante, mas os ortopedistas não dão a mínima para ela. Suponho que se eu comentasse que as enxaquecas são sempre do lado direito, nem levantariam os olhos do raio-x.

Até porque eles são dois. Um só cuida do pé, o outro não cuida de nada, mas registra a consulta na fatura do plano de saúde. Tudo o que ele pode fazer por mim é aconselhar que eu trabalhe menos e me encaminhar para o RPG, o que até me parece uma ideia honesta. A dor não é exatamente incapacitante, mas é persistente, duradoura, me incomoda há meses. Filmes e séries sobre cirurgiões já me haviam alertado para a possibilidade de que ortopedistas se sintam um pouco entediados a respeito das dores moderadas das editoras de meia idade.

Na piscina, outras mulheres e homens de meia idade leem seus livros, tomam sol, escrevem no computador. Penso na peste que nos permite cuidar da saúde: por causa da pandemia estamos aqui trabalhando na piscina, tomando sol, vendo o céu e imaginando o horizonte. Penso que piscina à tarde é coisa de universitário, como viver de pizza e miojo. Penso no livro que estou lendo sobre uma mulher de meia idade que vive que nem universitário, mas sem piscina à tarde. Penso nas mulheres mais espertas do que eu que elaboram suas angústias escrevendo na terceira pessoa.

Nado para tirar o peso de sobre os meus pés, para que a água me sustente e eu possa flutuar.

É também por que escrevo.