quarta-feira, 8 de abril de 2020

Álcool em gel


Hoje decidi colocar o carregador de bebê nas costas e ir caminhar com minha filha mais nova em uma praça vazia. Ela tem estado irritada com a clausura; aponta para a janela e diz: "Eu não quero ficar aqui, quero ir lá". Me corta o coração. Combinei que iríamos, mas ela ficaria o tempo todo no carregador, não poderia brincar sozinha, nós iríamos apenas caminhar e olhar a praça. Ela concordou.

Na praça, contou os cachorros, reparou no parquinho, tem escorrega, tem areia, tem grama. Pediu para andar sozinha; expliquei que não podia, não podia mesmo.

Ela não notou, em frente aos muros ou por entre as frestas dos portões, os seguranças, a empregada doméstica de uniforme, o jardineiro negro carregando um saco de folhas.

Em um bairro rico, uma praça vazia cercada de casas bonitas muito muito distantes daquelas onde vivem as pessoas que das casas bonitas cuidam. E que no final do expediente levarão para seus bairros onde não há praças vazias um vírus vindo de partes do mundo que elas jamais visitarão, estejam os canais de Veneza claros ou turvos.

Na volta, Isabel cochilou no carro, um pouco inconsolável por não poder andar sozinha na grama da praça, e isso é algo para o qual não há mesmo consolo. Assim pôde não observar as três mulheres cercadas de crianças famintas com que cruzamos em um semáforo, outra praça e uma farmácia.

Chegamos em casa, tirei os sapatos, higienizamos as mãos. Haja antisséptico para a gente se sentir limpa neste mundo.