sexta-feira, 26 de junho de 2015

Nascer


Quando nasce um bebê, nasce uma mãe.
Ser nascente que é, é preciso cuidá-la, para vicejar.
É precioso cuidá-la.
Acolher, recolher, colher.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Rotas rotas


Sempre às voltas com a ideia de viabilizar tarefas demais em tempo de menos, reservo diariamente precisos 30 minutos para buscar minha filha na escola. Normalmente gasto de 20 a 25 deles no percurso, embora às vezes chegue raspando nos 29 e, em dias muito fora da curva, estoure o limite. Aí, pago multa de atraso...

Vou de carro. Como a escola é longe e paciência não é a minha virtude, aprendi a sacar o padrão do trajeto, saber onde está congestionado, prever e pressentir problemas, e variar a rota.

Mas o que tira do sério o tipo de pessoa sem lugar no céu que vos fala não são os congestionamentos previstos e previsíveis. São os eventos inusitados ou fora do padrão que atentam contra a eficiência do trânsito. Tipo o rapaz que resolve deixar o carro atravessado na rua durante 30 segundos para abrir o portão e – veja que audácia – me segura por 30 segundos parada na rua dele. O caminhão do lixo na rua estreita, me obrigando a ir bem devagariiiinho. Aquela senhora que dirige uma vez por mês, procurando a casa de portão amarelo, justamente na minha frente. Moleque jogando bola nos arredores e me obrigando a ir devagar e tensa pra não atropelar nem bola nem menino. Briga de cachorro daquelas que parece que tem saci no meio.

Hoje foi um dia particularmente cheio desses eventos no caminho. O mais inusitado deles foi um velhinho de andador no meio da rua. Já era a segunda mudança de rota que eu fazia para evitar trechos lentos, e aí caí no velhinho. Ruazinha estreita de bairro, carros estacionados dos dois lados, e o velhinho, de andador, bem no meio da rua.

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Dependendo do caminho, tem bastante ciclovia. Embora não haja muitos ciclistas nelas, há alguns. Em certos trechos são ciclistas com roupa de fitness e capacete. Em outros, ciclistas que aparentam ter optado pela bicicleta como transporte barato, de calça jeans manchada de tinta, mochila, pacotes. Mas a ciclovia é povoada também por pedestres, gente passeando com animal, puxando carrinho de material reciclável, andando de skate. Enquanto há quem diga que a ciclovia ocupa um espaço inútil porque não há ciclistas, essas presenças revelam que não é só para os ciclistas que falta espaço nas ruas.

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A escola não se cansa de mandar e-mails pedindo aos pais que dirijam devagar quando vão pegar seus filhos, e não façam manobras em frente à escola. Crianças não evitam carros, carros é que têm de evitar crianças. No clima de aproveitar muito eficientemente o meu tempo, sempre com economia e máxima produtividade, tive de aprender a dirigir com calma na rua da escola. Só na rua da escola?

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O velhinho, de andador, no meio da rua. Comecei aquela inspiração profunda que a gente realiza para logo em seguida bufar de raiva (veja bem, já era minha segunda mudança de trajeto em busca de uma rota mais fluida). Mas então comecei a rir. Um velhinho de andador no meio da rua!! Não sei bem se ri do inusitado de haver um velhinho de andador no meio da rua ou se ri de mim mesma, se ri de nervoso, se ri do meu próprio esboço de raiva. Porque você precisa ser uma pessoa muito rabugenta pra ter raiva de um velhinho de andador, sozinho, na rua. E no mesmo movimento em que ri da minha rabugice absurda, vi que meu riso era deslocado, me preocupei com o velhinho. Esperei longamente ele terminar o trajeto que me impedia a passagem, passei, perguntei se precisava de ajuda. Ele negou, parecia lúcido, fui embora meio desconcertada. O velhinho estava no lugar errado? Qual seria o lugar do velhinho?

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Cheguei raspando nos 29. Não paguei multa.

quarta-feira, 17 de junho de 2015