sábado, 26 de novembro de 2016

Queijo e ideias (des)feitas


Ela é freira. E cientista, microbióloga. O que, de acordo com os preconceitos que carrego confortavelmente instalados em meu coração, já é um choque.

Aí, em sendo cientista, conseguiu demonstrar que produzir queijo pelo método pré-científico, sujinho, sem controle microbiológico, resulta em um perfeito controle microbiológico, muito mais seguro do que com a utilização de barris de inox rigorosamente assépticos.

Sempre existe uma variável que não conhecemos, e pode ser que ela arranje tudo melhor do que poderíamos fazer, ou imaginar.

Assista Cooked, é lindo.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Encruzilhada


Ele desceu a ladeira pensando na conta que tinha esquecido de pagar. É sempre assim. Só nos grandes épicos é que os momentos importantes são limpos, precedidos de uma pausa dramática. A vida de todos os dias é um emaranhado de enormidades e miudezas. Migalhas. E nunca sabemos muito bem discernir umas e outras. De perto as migalhas podem ganhar corpo, e a imensidão não se apercebe.

Desceu a ladeira pensando na conta que tinha esquecido de pagar. Provavelmente não tem importância. Não depois de hoje.

Seguiu pela margem do canal, tentando se concentrar no que realmente importava. As poças d'água ainda estavam por ali, mas o sol já começava a pesar nas costas. Na verdade, ficava bonito filtrado pelas árvores, se você parasse para olhar.

Aos domingos as pessoas passam por ali tranquilamente. Aos domingos, o passeio se presta a passeios.

Mas não para ele. Ele precisa chegar. Sabe que é importante.

Depois de virar a esquina, aproxima-se da casa. É essa mesmo. Finalmente, abre a porta.



****


Primeiro texto da vida escrito sem rascunho nem rasura. Sente e escreva. Sentei, escrevi.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Desde que o samba é bamba


Ando envolvida com um trabalho novo que tenho adorado, uma tradução para legendagem de vídeo.  É difícil, para mim, pois não tem roteiro escrito, somente o áudio, e eu sempre fui “ruim de ouvido”, tanto para música como para idiomas. De modo que agora toda vez que entro no carro para ir sozinha a algum lugar, já ligo o áudio, na esperança de deixá-lo impregnar meus ouvidos e conseguir fazer o trabalho direito. E está sendo uma experiência muito interessante, pois a cada audição eu entendo algo que não havia entendido na vez anterior, e fico toda feliz, feito criança que aprendeu coisa nova.

Só topei esse trabalho porque é um projeto querido, pois eu sabia que ia ser muito desafiador. Mas está sendo uma roubada deliciosa.

***

Depois do jantar, enquanto ajeito as coisas, vou cantarolando.

“A tristeza é senhora
Desde que o samba é samba...”

A menina desenha. E ouve, percebo. Então aproveito o laptop aberto na cozinha e coloco o sambinha no YouTube. Ela reage: “Ah, mas eu queria ouvir uma menina cantando...” Ok, internet tem tudo.

Quando a voz feminina surge, seu rosto se ilumina.

***

Passei toda uma vida, inúmeras chuveiradas, incontáveis lavagens de louça e sabe lá deus quantas rodinhas de samba e violão cantando, toda feliz:

“Solidão apavora
Tudo demorando em seu tamborim”

Choque: a voz feminina vem me esclarecer que nunca houve nenhum tamborim ali.

E eu que achava o tamborim tão poético...

***

Pelo menos, parece que os ouvidos andam atentos por aqui.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Mel e canela


- Tá cor de mel e canela.

Levo um tempo para entender que, enquanto eu olho placas, carros e semáforos, ela vê o horizonte.

- O céu, filha?

- É. Quando o Sol se põe o céu fica cor de mel e canela. Quando ele nasce e quando se põe.

Perplexos, meus olhos marejam.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Privação de sentidos


Na academia, há música em toda parte, o tempo todo.

Na sala de yoga, na piscina, nos corredores, no chuveiro, na privada.

Jamais podemos estar no silêncio.

***

No vestiário, duas moças conversam:

- Quando eu me olho nesse espelho aqui, até que não me acho tão gordinha. Mas lá na sala, fazendo os exercícios, parece que estou tão gorda...

- É aquela luz.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Comida


Dias atrás fui encontrar uma amiga em um restaurante, no sábado, dia de feijoada. Minha filha foi conosco, levando sua massinha, o brinquedo da vez. Ela brincava muito concentradamente na mesa, enquanto eu lia o cardápio, perguntando o que ela gostaria de beber. No ponto em que eu repetia a pergunta pela terceira vez, já com uma voz de quem estava se aborrecendo, minha amiga, que anda muito interessada em neurociência e desenvolvimento infantil, interveio: “Ela não pode te responder, o cérebro dela está fazendo outra coisa.”

Esses dias, lendo um comentário de uma consultora de alimentação infantil sobre não misturar BLW com papinhas, lembrei dessa cena da massinha. Deixar a criança manipular a própria comida não pode ser uma distração para que alguém aproveite e encha sua boca de comida. A ideia do BLW é permitir que a criança se alimente no seu tempo, com consciência – não que ela brinque com um pedaço de brócolis enquanto lhe dão uma comida que ela não tem nem a oportunidade de reconhecer.

Quando começamos a introdução alimentar da Teresa, eu nunca tinha ouvido falar de BLW, sigla para baby led weaning, algo como uma introdução alimentar (desmame) guiada pelo bebê. Até onde eu sabia, alimentação de bebês teria de passar por papinhas. Mas fui lendo algumas coisas, conversando aqui e ali. Esse tema me absorvia muito: acho que eu pensava em como e quando começar a introdução alimentar da minha filha desde antes de ela existir...

Eu tinha uma preocupação sobre como oferecer uma comida adequada e construir hábitos alimentares saudáveis, talvez porque isso seja um assunto onipresente hoje em dia, além da conhecida culpa de mãe. Mas também tinha outra coisa: eu ficava meio apavorada com a tal fase das papinhas. Quando imaginava como seria esse momento, achava tudo muito chato e inconveniente.

Me desagradava muito a ideia de ter de fazer comidas específicas, de acomodar minhas atividades em torno de fazer e dar papinhas, de ficar carregando potinhos mundo afora. Nunca fui uma mãe de potes e sacolas. Como muitas mulheres, me sentia solitária e enclausurada após o nascimento da minha filha, e resolvi não me prender mais que o necessário: colocava algumas fraldas na bolsa, sling a tiracolo, e ia passear, tranquila com o fato de que qualquer fome e sono se resolviam com colo e peito. Mas as tais papinhas me colocariam refém das sacolas, potinhos e micro-ondas...

Também era um momento da minha vida em que as tarefas cotidianas constituíam um desafio permanente. Eu estava equilibrando o trabalho e a finalização do mestrado, e me pesava a ideia de criar mais tarefas a serem cumpridas – produzir e armazenar refeições especiais, ter um momento somente para dar comida. Além disso – agora vem a confissão realmente embaraçosa – eu tinha uma certa preguiça daquele momento de dar comida na boca.

Se por um lado isso revela meu lado sombrio de mãe egoísta e preguiçosa, por outro eu acho que tem a ver com uma outra coisa, menos sombria. Eu gosto muito de cozinhar e de comer, e considero as refeições momentos cotidianos de prazer e celebração. Eu queria simplesmente fazer comida, sentar e comer, junto com minha filha. (Talvez não fosse preguiça, mas intuição.)

Houve duas coisas fundamentais que me iluminaram e ajudaram a entender qual seria o caminho possível por aqui. Uma foi o livro Mi niño no me come, de Carlos González. Eu poderia dizer que ele mudou tudo o que eu pensava. Mas minha sensação foi, na verdade, a de que ele me revelou tudo o que eu já sabia. Entendi que a alimentação (só a alimentação?) infantil (só a infantil?) tem a ver com ética e confiança. Nós sabemos alimentar e nos alimentar. Saúde tem a ver com muitas coisas, inclusive (talvez sobretudo) com alegria, com a vida não ser um fardo. Não se obriga uma pessoa a comer (e crianças são pessoas). Também não se obriga alguém a submeter sua cozinha a preceitos e caprichos alheios. Confiança na comida, confiança na criança, confiança na vida.

A outra foram as muitas conversas que tive em um espaço dedicado ao atendimento de crianças e suas famílias, onde fiz aulas de yoga, conversei com várias mães, e participei de rodas de conversa sobre alimentação infantil. Fiz até uma oficina sobre introdução alimentar de bebês, mas mesmo nessa oficina não me recordo de termos falado nominalmente em BLW. No entanto, lembro de uma colocação que inverteu completamente minha perspectiva sobre tudo aquilo: não se trata de introdução alimentar para a criança, mas da introdução da criança no mundo da comida. De apresentar a criança ao mundo das refeições familiares.

Nesse momento, descobri que era possível, saudável e sensato precisamente aquilo que eu tanto almejava: sentar e comer com minha filha.

De modo que parei de procurar guias alimentares e ignorei silenciosamente as orientações de preparo e balanceamento de papinhas feitas pela pediatra na consulta dos seis meses. Em vez disso, continuei preparando minhas refeições e comendo-as junto à minha filha. Ela ficava ao meu lado, sentada em cima da mesa, em um “bumbo” (uma espécie de cadeirinha de bebê que colocávamos mesmo sobre a mesa, pois em casa temos um balcão com bancos altos, e não uma mesa com cadeiras baixas e “seguras”). Eu fazia comida “normal”, colocava algumas coisas em um prato para ela, e deixava-a livre para manipular o que a interessasse, como quisesse. Sim, sim, havia muita sujeira... No meio dessa bagunça, às vezes alguma coisa acabava sendo comida. Mas isso não era objetivo, era parte.

A coisa toda causava um bocado de estranhamento. Em geral, as pessoas manifestavam a preocupação de que ela estivesse começando a comer “muito tarde”, e de que pudesse engasgar. Bem, sobre “adiar” a introdução alimentar, eu estava bastante segura, pois atualmente mesmo as orientações mais ortodoxas são de que bebês que só tomam leite materno comecem a receber alimentação complementar a partir dos seis meses – as orientações para começar antes disso não são ortodoxas, são francamente ultrapassadas. Já sobre engasgar... Não sei se alguma mãe ou pai não se preocupa com isso, mas esse é justamente o benefício de não iniciar a alimentação complementar antes da hora! Eu ficava atenta, claro, mas só coloquei comida à disposição da minha filha quando ela já se sentava e se interessava em comer. Oferecia os alimentos em pedaços grandes, não colocava comida na boca dela, não dava coisas pequenas e redondas, nem muito duras como castanhas... Ela nunca engasgou. Nosso medo pode ser uma intuição de segurança, e acho que precisamos ouvi-lo. Se há medo, é preciso recuar e avaliar. Mas o medo também pode ser uma vida sem intuição, sem confiança, alienada, e precisamos nos fortalecer – com troca, com apoio, com informação, com terapia, o que estiver ao alcance.

A preocupação de que a alimentação complementar começou “tarde” se articula com o receio de que a criança esteja “comendo pouco”, de que não esteja suficientemente nutrida. Você coloca a comida na frente dela e ela brinca, em vez de comer. Querem vê-la raspar o prato... Não vou entrar em discursos sobre o quanto a indústria do alimento infantil sabotou a nossa força e a nossa confiança (aliás, a indústria de um modo geral nos convenceu da necessidade de um tanto de tralha para criar filhos...). Mas, no meu caso em particular, eu confiava verdadeiramente na amamentação. Posso dizer que até um ano de idade, seguramente, eu imputava a nutrição da minha filha ao meu leite. As outras comidas eram para treinar, para aprender a comer, para participar do universo social que a comida representa, para conhecer cores e sabores. Para sair da mãe e entrar no mundo. Mas, se não comer, o leite dá conta. Pelo histórico de doenças da Teresa, ou eu tive muita sorte, ou não estava muito errada em pensar assim.

Talvez o mais bonito de tudo isso seja que, se inicialmente eu relutei em abraçar as mudanças que viriam com a obrigação de cozinhar para uma criança, e parecia que as papinhas virariam minha vida do avesso, a verdade é que a decisão de oferecer à minha filha a mesma comida que estivéssemos comendo mudou enormemente o jeito como comemos em casa, e meu jeito de cozinhar. Comecei a pesquisar formas de oferecer uma comida adequada e saudável, mas em vez de me encantar com os blogs de antroposofia e macrobiótica, fiquei mesmo naqueles que me ensinaram a fazer pão e manteiga em casa. E risoto na panela de pressão. E a preparar legumes de vários jeitos, para a criança que só teve dentes com um ano e até hoje não se interessa por salada de folhas. Mas come escarola refogada com macarrão. E adora brigadeiro. E anda rejeitando pizza, para desespero dos pais que não querem entrar na cozinha no domingo à noite.

É que não era a mãe fazendo comida de bebê, era eu inteira, fazendo comida boa para todos nós.

Porque não são só as mãos que moldam a massinha, é o cérebro também, é o corpo todo. Quando a gente abraça, é o corpo todo que abraça. Quando a gente pensa, é o corpo todo que pensa. Quando a gente come, é o corpo todo que come. Ou deveria ser. Ou poderia ser.

Ou, pelo menos, podemos ter isso no horizonte.

sábado, 21 de maio de 2016

...


Recentemente eu participei de uma coisa chamada “Treinamento de Inteligência Emocional”. Ganhei de umas amigas, muito queridas, que achavam que era algo muito bonito que eu nunca viria conhecer, pois jamais me lançaria por conta própria naquilo. Elas estavam duplamente certas: é bonito mesmo, e eu dificilmente me meteria em algo com esse nome.

Começa pelo “treinamento”. Treinamento me faz lembrar daquelas experiências com bichinhos levando choque e ganhando comida. Para mim, a ideia de seres humanos sendo treinados remete ao exército e às distopias relacionadas ao totalitarismo. Manipulação com base científica. Preparação do ser humano para a barbárie.

E depois a tal “inteligência emocional”... Não sou psicóloga nem neurobióloga, mas do alto da minha ressonante ignorância eu simplesmente acho que nós temos inteligência, pronto, uma só. Uma coisa complexa e multifacetada, que não dá pra sair quebrando em “inteligência lógica”, “linguística”, “espacial”, “emocional” e por aí vai. O que ocorre é que nossa existência foi intensamente fragmentada. Em uma sociedade atomizada, o mundo do trabalho foi nos quebrando em mil pedacinhos, a fim de identificar qual deles interessa e quanto vale pagar por cada um. Em certo momento da história, éramos quase todos “braços”. Agora, temos de nos esforçar um pouco mais e, se nos qualificarmos o suficiente, podemos ser também, além de “braços”, “proatividade”, “flexibilidade”, “liderança”.

Mas ser quebrado em mil pedaços não é, evidentemente, um procedimento gerador de uma existência plena ou saudável. A gente adoece, em pedaços. Em algum momento, a complexidade que nos foi tirada tem de ser entregue de volta, mesmo como ilusão, mesmo na forma de mercadoria (pois essa é a coerência de nosso momento histórico), quem sabe como utopia. Então temos uma miríade de soluções: tratamentos holísticos e espirituais, terapias tradicionais repaginadas (minha mãe foi fazer reiki e disse que é igualzinho quando ela ia na benzedeira – achei muito sagaz), psicoterapia em dezenas de versões, grupos de apoio, medicamentos para corrigir nosso cérebro (sem corrigir nossa vida)... E até treinamento de inteligência emocional. (É bom dizer – embora evidentemente ninguém precise do meu aval para coisa alguma – que acho todas essas “soluções” absolutamente válidas como busca pessoal. Apenas cabe pensar o que elas revelam sobre nosso mundo e nossas vidas.)

Pois é, fui lá... E achei muito bom. Revelador e acolhedor. Mas continuo não gostando do nome, e acho que ele não faz jus ao que se passa ali. Para mim, trata-se de um processo terapêutico. E processos terapêuticos me parece que são bem o oposto do treinamento, são o “destreinamento”. Ter a oportunidade de olhar para os nossos comportamentos condicionados e percebê-los, observar nossos sentimentos, imaginar outras possibilidades de ação e de reação, isso é o contrário do treinamento, é desenvolver a sensibilidade a respeito de nós mesmos, a responsabilidade por nós mesmos. E isso não tem a ver com um fragmento de nós chamado “inteligência emocional”, tem a ver com a totalidade do nosso ser, inserida no emaranhado da nossa existência, que inclui desde os nossos antepassados até as nossas fantasias de descendência.

Mas talvez eu não tenha entendido nada, e só estou tentando recusar a ideia de que fui treinada.

E talvez tenha sido bom.

Dormir. Dormir é um assunto na minha vida. Uma questão, um problema. Acho adormecer uma coisa muito difícil. De vez em quando eu digo que não sou de sonecas, porque dormir e acordar são duas coisas tão difíceis, mas tão difíceis, que eu prefiro fazer só uma vez por dia. Meu marido diz que eu não tenho insônia, porque, embora custe a dormir, depois que eu durmo passo doze horas na cama de boa – mas eu me apego aos especialistas que dizem que isso também chama insônia (vão patologizar tudo menos justamente a minha doença?! ora bolas...). Pois a minha insônia tem sido alvo de reflexão há muito tempo, e fui aprendendo a aceitá-la, compreendê-la, talvez decifrá-la um pouco. E dormir tem sido melhor.

Em certo momento do treinamento, nos orientam a dormir. Estamos exaustos, deitamos em colchonetes. Eu inicio um leve processo de pânico, porque sei que estou exausta e seria ótimo dormir, mas também sei que não vou dormir, porque eu não durmo. Eu não durmo. Sucumbi, depois de anos relutando, a colocar uma TV no quarto para me ajudar a dormir, porque eu não durmo.

Deitamos em colchonetes. Apagam as luzes. Cuidam da temperatura ambiente. Uma voz calma nos orienta. (Eles acham que eu vou dormir só por causa de um escurinho e uma voz tranquila...)

Até que a voz diz uma coisa que eu acho que ninguém nunca me disse antes: “Você pode dormir, porque está em segurança. Quando você acordar, tudo estará como agora. Não há por que ter medo. Você está seguro.”

Quando acordei e percebi que tinha dormido, comecei a chorar.

Eu dormi.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Vocações


Algumas reflexões preliminares suscitadas pela minha semana de experiência nesse universo paralelo que é a academia de ginástica.

- Artistas de circo não queriam ser professores de práticas circenses.

- Nadadores não queriam ser professores de natação. Especialmente de mulheres de meia idade sem aptidões atléticas.

- Não sei se yogues queriam ser professores de yoga, mas eles estão sempre sorrindo, de qualquer modo. O que é bom.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Neologismo


Entrando no túnel escuro:

- Mamãe, tá anoitecendo!

Saindo do túnel escuro:

- Mamãe, agora tá dediando!

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Movimento


Nesta revisão da minha maternidade, lembranças se revelam, memórias se constroem. E muito aprendo.

Lendo sobre a abordagem da assistência ao parto na sociedade ocidental moderna, descubro que o início desse movimento que no Brasil comumente se chama de “humanização” do parto remonta a uma reivindicação das mulheres inglesas, em meados do século XX, por não serem obrigadas a se deitar durante o trabalho de parto, pela possibilidade de atravessarem esse processo na posição que preferissem.

Não deveria ser espantoso – sobretudo no seio da civilização que instituiu as liberdades individuais como princípio fundamental – que um ser humano em pleno gozo de suas faculdades físicas e mentais precise reivindicar o direito de manter seu corpo na posição em que bem entender?

Não consigo evitar a resposta de que em nossa sociedade as mulheres não são realmente encaradas como indivíduos em pleno gozo das faculdades humanas. Naturalmente instáveis – com todos esses ciclos, hormônios e caprichos –, como permitir que tomem decisões livremente? Some-se a isso uma ideologia tecnocrática, e eis que estamos diante de uma leiga voluntariosa a qual tenta irresponsavelmente desafiar um profissional sensato que só deseja o bem dela.

De modo geral, minha tendência é legitimar as formas racionalizadas de entendimento do mundo. A busca pela razão foi sempre o meu caminho. Mas tenho aprendido a me aproximar das possibilidades do intuitivo e do visceral. E isso certamente tem uma raiz na(s) minha(s) gravidez(es). Porque a gravidez acontece também na alma, mas ela é incontornável no corpo...

Após o aborto espontâneo para o qual evoluiu minha primeira gestação, a obstetra que me acompanhava prescreveu um remédio a fim de ajudar a “limpar o útero” e evitar uma possível curetagem. Eu não fazia a menor ideia do que se tratava, mas acatei a recomendação. (Assim procedem os médicos conosco, e assim procedemos nós com os médicos...) Ela não me explicou nada sobre aquele comprimido ou a respeito do que se passaria comigo, apenas indicou que o tomar era uma conduta normal em caso de aborto espontâneo. Tomei o remédio à noite, antes de me deitar para dormir. E comecei então a sentir cólicas que foram aumentando gradualmente, tornaram-se muito intensas, vindo em ondas. Eu não sabia se podia tomar algum analgésico, era de noite, por isso não telefonei para ela. Apenas fiquei ali, ao longo de não sei quanto tempo, lidando com aquilo.

A dor não me impedia somente de dormir, mas também de ficar quieta. Era muito desconfortável deitar de barriga para cima – apesar de parecido com cólicas menstruais, não era igual, e não ajudava deitar com uma bolsa quente na barriga, como costumo fazer com as cólicas menstruais. Era impossível estirar o corpo, fosse deitada ou de pé. Eu precisava me contorcer, e vocalizar. Ficar em posição fetal ajudava muito, em alguns momentos. Em outros, era confortável ficar sentada, meio dobrada. Passei muito tempo sentada abraçando meus joelhos. Mas, essencialmente, eu precisava me mexer. Em alguns momentos, o abraço do meu marido era uma grande fonte de conforto. Em outros eu não queria que absolutamente nada me tocasse.

E isso foi apenas um comprimido – eu não estava em trabalho de parto.

Não tomei mais o remédio. Mas aquele comprimido que, para o propósito em vista, foi aparentemente inútil (pois não tive mais sangramentos e meu ultrassom seguinte foi ótimo) na verdade talvez tenha plantado em mim uma semente muito mais importante do que eu pudesse imaginar. Aquelas poucas horas me fizeram encarar de uma maneira nova as discussões sobre atendimento obstétrico das quais eu apenas começava a me aproximar.

Sempre fui do tipo que não para quieta. Sempre odiei que me segurassem, que prendessem meus movimentos. Como poderia ter meu filho presa a uma cama?

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Gentileza


O enfermeiro entra na sala, para, me olha por alguns instantes com firmeza e bondade, e lança, um pouco teatral:

- Eu vos digo: boa noite!

Mesmo com enxaqueca, como não sorrir?