quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

para ana


a vida é um sempre sempre se buscar.

eu fiquei adulta no dia em que perdi meu filho que não existia. então passei meses perdida, feia e triste, até conseguir me colocar de novo dentro de mim. quando teresa nasceu nenhuma roupa me servia mais, e todas elas eram do meu tamanho. e eu infernizei os móveis todos da casa e as plantas e as comidas, procurando por mim. quando quis isabel fui procurar no armário, porque todas as roupas acumuladas da mãe que eu era estavam ali e eu precisava jogar fora pra ser mãe de novo outra. quando ganhei isabel, perdi teresa pequena que em uma noite cresceu vinte centímetros e eu não tinha lembrado de me despedir nem dela nem de mim. agora isabel vai à escola puxando a mochila de rodas e eu vou me buscando na trilha de lágrimas com saudade das borboletas mas eu não sou mais elas.

que bom que você escreve.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Descobertas



Para alimentar minhas filhas, eu reaprendi a cozinhar.

Eliminei os temperos prontos e aprendi a temperar muito bem a comida, para acolher a todos nós.

Aprendi a preparar legumes e verduras de acordo com aquilo que eles são: comida gostosa.

Aprendi a fazer pão, fermento, iogurte, ricota, manteiga, porque é bonito fazer mágica na cozinha e as crianças merecem apreciar.

Entendi que caldo de legumes é água fervida com legumes, e congela muito bem. Dá gosto em tudo e acalma preocupações maternas sobre nutrientes. Arroz cozido no caldo de legumes não é só arroz.

Aprendi que comida picada faz muito, muito sentido. Pedacinhos disponíveis, que se pegam com a colher, com o garfo, com a mão. Que se misturam com todo o resto ou se separam de todo o resto, segundo a vontade da mãozinha naquele dia.

Entendi que risoto é uma fórmula mágica para dias difíceis, e não comida de restaurante.

Me reconciliei com comidas abandonadas após a infância: sopa, arroz mexido com mistura numa panela só. Variações infinitas.

Para alimentar minhas filhas, eu reaprendi a comer.

Agora parece que sempre foi assim.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Inspiração


Uma vez, na terapia, em uma sessão na qual eu estava muito cansada e particularmente tagarela, a terapeuta aproveitou um meu intervalo, olhou nos meus olhos e disse: "Carol, do que você precisa?"

Magicamente, aquela pergunta suspendeu minha falação destampada e me devolveu a mim mesma. A despeito da pertinência da nuvem de reflexões e sensações dentro da qual eu me movia ali, naquele momento eu precisava de algo muito simples e muito específico. E eu sabia o que era.

Aprendi a fazer isso com Isabel quando está muito cansada ou ansiosa e pede uma coisa atrás da outra incessantemente. Olhos nos olhos: "Do que você precisa?"

Terrible twos nada... É que a gente vive perdido.