Sempre às voltas com a ideia de viabilizar tarefas demais em
tempo de menos, reservo diariamente precisos 30 minutos para buscar minha filha
na escola. Normalmente gasto de 20 a 25 deles no percurso, embora às vezes
chegue raspando nos 29 e, em dias muito fora da curva, estoure o limite. Aí, pago multa de atraso...
Vou de carro. Como a escola é longe e paciência não é a
minha virtude, aprendi a sacar o padrão do trajeto, saber onde está
congestionado, prever e pressentir problemas, e variar a rota.
Mas o que tira do sério o tipo de pessoa sem lugar no céu que
vos fala não são os congestionamentos previstos e previsíveis. São os eventos inusitados
ou fora do padrão que atentam contra a eficiência do trânsito. Tipo o rapaz que
resolve deixar o carro atravessado na rua durante 30 segundos para abrir o
portão e – veja que audácia – me segura por 30 segundos parada na rua dele. O
caminhão do lixo na rua estreita, me obrigando a ir bem devagariiiinho. Aquela
senhora que dirige uma vez por mês, procurando a casa de portão amarelo, justamente
na minha frente. Moleque jogando bola nos arredores e me obrigando a ir devagar
e tensa pra não atropelar nem bola nem menino. Briga de cachorro daquelas que
parece que tem saci no meio.
Hoje foi um dia particularmente cheio desses eventos no
caminho. O mais inusitado deles foi um velhinho de andador no meio da rua. Já
era a segunda mudança de rota que eu fazia para evitar trechos lentos, e aí caí
no velhinho. Ruazinha estreita de bairro, carros estacionados dos dois lados, e
o velhinho, de andador, bem no meio da rua.
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Dependendo do caminho, tem bastante ciclovia. Embora não
haja muitos ciclistas nelas, há alguns. Em certos trechos são ciclistas com
roupa de fitness e capacete. Em outros, ciclistas que aparentam ter optado pela
bicicleta como transporte barato, de calça jeans manchada de tinta, mochila,
pacotes. Mas a ciclovia é povoada também por pedestres, gente passeando com
animal, puxando carrinho de material reciclável, andando de skate. Enquanto há
quem diga que a ciclovia ocupa um espaço inútil porque não há ciclistas, essas presenças
revelam que não é só para os ciclistas que falta espaço nas ruas.
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A escola não se cansa de mandar e-mails pedindo aos pais que
dirijam devagar quando vão pegar seus filhos, e não façam manobras em frente à escola.
Crianças não evitam carros, carros é que têm de evitar crianças. No clima de aproveitar
muito eficientemente o meu tempo, sempre com economia e máxima produtividade, tive
de aprender a dirigir com calma na rua da escola. Só na rua da escola?
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O velhinho, de andador, no meio da rua. Comecei aquela
inspiração profunda que a gente realiza para logo em seguida bufar de raiva
(veja bem, já era minha segunda mudança de trajeto em busca de uma rota mais
fluida). Mas então comecei a rir. Um velhinho de andador no meio da rua!! Não
sei bem se ri do inusitado de haver um velhinho de andador no meio da rua ou se
ri de mim mesma, se ri de nervoso, se ri do meu próprio esboço de raiva. Porque
você precisa ser uma pessoa muito rabugenta pra ter raiva de um velhinho de
andador, sozinho, na rua. E no mesmo movimento em que ri da minha rabugice
absurda, vi que meu riso era deslocado, me preocupei com o velhinho. Esperei longamente ele terminar o trajeto
que me impedia a passagem, passei, perguntei se precisava de ajuda. Ele negou,
parecia lúcido, fui embora meio desconcertada. O velhinho estava no lugar errado?
Qual seria o lugar do velhinho?
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Cheguei raspando nos 29. Não paguei multa.
Hahaha
ResponderExcluirEsse texto é muito você. A minha rabugenta favotita. Oh céus, oh vida!
Mas ó como eu tô melhorando 😉
ExcluirBeijos!