Nesta revisão da minha maternidade, lembranças se revelam,
memórias se constroem. E muito aprendo.
Lendo sobre a abordagem da assistência ao parto na sociedade
ocidental moderna, descubro que o início desse movimento que no Brasil comumente
se chama de “humanização” do parto remonta a uma reivindicação das mulheres
inglesas, em meados do século XX, por não serem obrigadas a se deitar durante o
trabalho de parto, pela possibilidade de atravessarem esse processo na posição
que preferissem.
Não deveria ser espantoso – sobretudo no seio da civilização
que instituiu as liberdades individuais como princípio fundamental – que um ser
humano em pleno gozo de suas faculdades físicas e mentais precise reivindicar o
direito de manter seu corpo na posição em que bem entender?
Não consigo evitar a resposta de que em nossa sociedade as mulheres
não são realmente encaradas como indivíduos em pleno gozo das faculdades
humanas. Naturalmente instáveis – com todos esses ciclos, hormônios e caprichos
–, como permitir que tomem decisões livremente? Some-se a isso uma ideologia
tecnocrática, e eis que estamos diante de uma leiga voluntariosa a qual tenta irresponsavelmente
desafiar um profissional sensato que só deseja o bem dela.
De modo geral, minha tendência é legitimar as formas
racionalizadas de entendimento do mundo. A busca pela razão foi sempre o meu
caminho. Mas tenho aprendido a me aproximar das possibilidades do intuitivo e
do visceral. E isso certamente tem uma raiz na(s) minha(s) gravidez(es). Porque
a gravidez acontece também na alma, mas ela é incontornável no corpo...
Após o aborto espontâneo para o qual evoluiu minha primeira
gestação, a obstetra que me acompanhava prescreveu um remédio a fim de ajudar a
“limpar o útero” e evitar uma possível curetagem. Eu não fazia a menor ideia do
que se tratava, mas acatei a recomendação. (Assim procedem os médicos conosco,
e assim procedemos nós com os médicos...) Ela não me explicou nada sobre aquele
comprimido ou a respeito do que se passaria comigo, apenas indicou que o tomar
era uma conduta normal em caso de aborto espontâneo. Tomei o remédio à noite,
antes de me deitar para dormir. E comecei então a sentir cólicas que foram
aumentando gradualmente, tornaram-se muito intensas, vindo em ondas. Eu não
sabia se podia tomar algum analgésico, era de noite, por isso não telefonei
para ela. Apenas fiquei ali, ao longo de não sei quanto tempo, lidando com
aquilo.
A dor não me impedia somente de dormir, mas também de ficar
quieta. Era muito desconfortável deitar de barriga para cima – apesar de
parecido com cólicas menstruais, não era igual, e não ajudava deitar com uma
bolsa quente na barriga, como costumo fazer com as cólicas menstruais. Era impossível
estirar o corpo, fosse deitada ou de pé. Eu precisava me contorcer, e
vocalizar. Ficar em posição fetal ajudava muito, em alguns momentos. Em outros,
era confortável ficar sentada, meio dobrada. Passei muito tempo sentada abraçando
meus joelhos. Mas, essencialmente, eu precisava me mexer. Em alguns momentos, o
abraço do meu marido era uma grande fonte de conforto. Em outros eu não queria
que absolutamente nada me tocasse.
E isso foi apenas um comprimido – eu não estava em trabalho
de parto.
Não tomei mais o remédio. Mas aquele comprimido que, para o
propósito em vista, foi aparentemente inútil (pois não tive mais sangramentos e
meu ultrassom seguinte foi ótimo) na verdade talvez tenha plantado em mim uma
semente muito mais importante do que eu pudesse imaginar. Aquelas poucas horas
me fizeram encarar de uma maneira nova as discussões sobre atendimento
obstétrico das quais eu apenas começava a me aproximar.
Sempre fui do tipo que não para quieta. Sempre odiei que me
segurassem, que prendessem meus movimentos. Como poderia ter meu filho presa a
uma cama?