Na
casa da minha amiga tinha sempre pão com requeijão e bolo de brigadeiro, que a
mãe dela fazia. Sempre afundava no meio, e aquele bolo melado e convexo na
forma redonda de inox ficou sendo para mim a imagem platônica do bolo de
brigadeiro, da qual todos os outros viriam a ser o real que trai o
ideal, como ocorre com os namoros e o amor, por exemplo.
Eu
cresci com esse bolo, é o que sinto, mas a verdade é que ele entrou na minha
vida quando eu já me encaminhava para a adolescência.
Da
infância tenho lembranças mais fragmentárias, e não tenho certeza se o bolo da
minha avó – recheado sempre com uma lata de leite condensado cozida e coberto
de confeito colorido – era mesmo sempre esse ou se sou eu que repito indefinidamente
um determinado aniversário estendendo a todos os primos aqueles mesmos
confeitos e o encantamento com a habilidade mágica de se cozinhar uma lata e
obter o creme denso, macio, brilhante. Episódios limitados ganham perenidade
na nossa memória de mortais.
Nunca
fui tão de doces, mas coca-cola com chocolate pode parecer o lanche de uma
adolescência inteira mesmo se você só o comeu às vezes, no intervalo das aulas
da tarde, naquela combinação de prazer e ansiedade que na juventude tem a cara
da independência. Quando eu soube que Renato Russo morreu, estava lanchando coca-cola
com chocolate. Minha amiga, outra, teve raiva, disse que não o perdoava. Perplexidade
às três da tarde.
Quando
comi torta de frango com café, sozinha, na mesa de uma lanchonete, fiquei
adulta. A gente fica adulta muitas vezes, e é sempre um acontecimento.
Na
casa dos meus pais não tinha torta. Tinha a moqueca com o molho denso amarelo pleno,
tinha o manjar com as ameixas das quais me aproximei muito lentamente, um
aprendizado, tinha churrasco cortado em tirinhas finas e pão com vinagrete que
eu como sempre sempre muito. Mas não tinha torta. Torta era comida da rua,
comida do mundo lá fora. E eu não tomava café, tomava coca-cola. Por que os
adultos tomavam café se tinha coca?
Tomar
café com torta de frango na mesa da faculdade combinava muito com o xerox de um
cara chamado Jakobson que eu precisava ler e cujo nome não sabia pronunciar.
Hoje
sentei num café e pedi um expresso com torta de frango. Me deu saudade.