quarta-feira, 1 de maio de 2013

Claro escuro


Quando eu era criança, achava muito chique ter nome de música de Chico Buarque: eu estava fadada a ser inteligente, claro! A história é que meus pais estavam se aprontando para sair, minha mãe grávida, ouvindo o disco, e decidiram: se for menina, vai chamar Carolina; aí chegou meu futuro padrinho e lançou: estava pensando que se for menina podia chamar Carolina. Vixe: inteligente e conectada com o universo!

Mas minha mãe também contava que queria Januária. E eu achava que tinha me livrado de uma boa - Januária! De onde ela tinha tirado isso?! Depois fui descobrir que era outra moça de Chico, e comecei a suspeitar que uma bem melhor, na verdade: em vez de ficar na janela com seus olhos tristes vendo a vida passar, ela se penteava na janela, atraindo e enfeitiçando todo mundo com seus encantos - até o sol e o mar! Hoje acho que seria bem charmoso ser Janu... Mas o fato é que sempre me senti meio Carolina mesmo: olhos tristes, e um agudo sentido de que a vida passa, desde criança. Decididamente, eu vejo o copo meio vazio. Sempre quis ser mais ensolarada. Melancolia congênita?

Mas agora andei pensando que Januária também não sai da janela. Então qual a graça? Carolina admira a vida, e a vida admira Januária. Nenhuma delas vive.

Eu gosto mesmo das mulheres de Nancy Myers, rsss... É, nada de cinema de arte, na verdade não sou tão inteligente como previam os astros: a-do-ro Alguém tem que ceder e Simplesmente complicado. Aquelas mulheres lindas do jeito certo, quase aos sessenta anos, donas de suas vidas, em suas casas deslumbrantes - ah, aquelas casas! Claro, existe a insegurança por não ter mais a aparência da juventude, e os casamentos se desfizeram, e os filhos cresceram, e elas estão sós em casa. Não, na verdade, não. Porque elas têm projetos, veem pessoas, produzem suas obras - sejam histórias ou croissants. Mas principalmente porque nada terminou, a vida está em curso. E por isso há conflitos, inseguranças, dilemas. E elas saem melhores do que entraram. Não porque o sofrimento seja formador. Odeio essa história do sofrimento formador. Mas porque o fluxo da vida faz com que olhem para si mesmas, e se descubram, e se façam. Adoro quando o terapeuta olha para Jane e diz: "Vá em frente, isso não pode mais te machucar". Bom, talvez possa, mas ela já conhece o caminho da superação, sabe que ele é possível.

*****

Ah, então este é um texto otimista? Sei não... No final das contas, ainda não aprendi a ver o meu copo cheio...

5 comentários:

  1. Carol,
    Eu ouvi uma piada outro dia que era assim: "Nenhum químico entende essa história de copo meio cheio ou meio vazio... ele está sempre cheio de moléculas". Eu, nerd como sou (rsrsrs) amei essa piada besta!
    E agora eu acho, de verdade, que meu copo está sempre cheio, só que de coisas diferentes...
    Desculpa o comentário besta no seu texto bonito, mas não resisti!
    Beijos!

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    1. Ah, Elisa, sempre sábia...
      Adorei a estreia de comentário!
      Beijos!

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  2. Pode comentar? Sempre leio, mas não comento. Achava que não podia (sou a burrinha das amigas)
    Carol, eu acho os seus textos sempre muito bacanas e sou muito como você. Não consigo enxergar o copo meio cheio, não sou nada poliana. Não sei se enxergar a vida por outro ângulo nos faria seguir caminhos diferentes. Apesar de um tanto quanto pessimistas nós não ficamos na janela vendo a vida passar ou sendo admirada por ela. Nós construímos a nossa história, cheias de tropeços, arranhões e com muito amor, carinho e alegria também. Fique tranquila que você está longe de ser a Carolina da canção e ainda bem que sua mãe te livrou de Januária hahahahah
    Beijocas e muitas saudades (beijo especial pra Teresa, como sinto saudades dela)

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    1. Oi, querida!
      Claro que pode comentar, e como assim "a burrinha"?!!!
      Obrigada pelo carinho. Acho que não podemos fazer nada além de achar um jeito de viver com a gente mesmo, né? Tudo de bom no seu caminho!
      Beijos!

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  3. Carol, o seu belo texto mostra a razão pela qual você deveria enxergar seu copo meio cheio: a possibilidade de chamar-se Januária.

    Beijo grande.

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