A terapeuta pede que eu faça uma colagem de recortes de
revista representando a mulher que quero ser. Algo assim. Não consigo reter
precisamente a proposta, porque não gosto dessas coisas e aceito meio que com
preguiça.
Fico duas semanas enrolando para procurar as imagens, e
nesse ínterim só penso que eu queria ser a Rita Lobo. Preciso rir de mim mesma,
mas fazer o quê?... Penso naquela mulher linda, naquela desenvoltura, naquela
casa fantástica, naquelas comidas sorrindo para as fotos, naquela louça que
rescende a Oriente, bem ao lado de uma linda estante de livros impecavelmente organizada.
Sou vulnerável ao personagem, impossível negar.
E minha filha também, ao que parece. Pede pra ver o programa
repetidamente (coisas da televisão moderna: a gente pode ver o programa mil
vezes...), decora frases, quer imitar o cabelo! Daí que um dia, enquanto ela
assistia a um dos episódios e eu preparava o jantar, um trechinho de música de
fundo daquela cozinha mágica me fisgou, achei linda e, influenciada pela
receita de ares marroquinos que a mulher preparava, achei até que a canção tinha
toques das Arábias.
No dia seguinte, lanço para o marido (que, diga-se de
passagem, implica com os cuidados e caprichos da cozinheira invejada):
– Tocou uma música tão linda no programa da Rita Lobo – vê se
você conhece e me ajuda a achar na internet? – e já vou colocando o programa
pra rodar e ele ouvir o trecho. Enquanto ouço a música com atenção, num volume
mais alto, vou percebendo uma vaga familiaridade: – Ué... mas é o Caetano? Que
música linda essa do Caetano...
Marido quieto. Marido lança, com algum desprezo na voz:
– Coloca “Jokerman” no Google. Isso é um clássico do Bob
Dylan.
– Ahhh...
Procuro a música, ouço o Caetano, ouço o Dylan, saltito aqui
e ali descobrindo a história da canção, de Dylan e do álbum, leio opiniões
engraçadas de gente que escreve blogs para discutir suas interpretações de
canções, poemas e afins. E mando minha opinião abalizada:
– Amor, gostei mais da do Caetano.
Desta vez, nenhuma resposta, e um olhar de desprezo um pouco
mais profundo.
*****
Ainda não sei muito sobre a mulher que quero ser, mas quanto
à mulher que eu sou, parece que o forte dela não é mesmo cultura pop.
*****
Me consolo com a história de um amigo que só depois de
casado foi “descobrir”, pela mulher, que o Jimi Hendrix era negro.
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