segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

De príncipes e princesas, ou: Diferentes narrativas da concepção humana - explorando a noção de neutralidade da ciência


Hoje assisti, em algum lugar da Internet, a um vídeo mostrando o desenvolvimento de uma gestação humana por dentro do corpo da mulher. Nada de novo sob o céu, mas eu gosto, acho divertido ver esses vídeos sobre “maravilhas da natureza” que poderiam passar no Fantástico com narração de Cid Moreira (acho que faz um tempo que não vejo o Fantástico).

Ele seguia o roteiro de todos os vídeos, animações, desenhos etc. que me lembro de ter visto sobre esse processo: a aventura começa quando o intrépido batalhão de espermatozoides (que lamentavelmente perderam parte de sua dignidade junto com o acento agudo) lança-se rumo ao desconhecido, navegando à velocidade da luz por mares bravios, até que apenas o mais corajoso, o mais veloz, o mais resistente, o primeiro a atravessar incólume essa galáxia de possibilidades terríveis que é o interior do corpo feminino, apenas ele – o escolhido – atinge o óvulo, com sua barreira até então intransponível, mas que, diante de cavaleiro tão cheio de predicados, de guerreiro tão vistoso tão temido e poderoso, finalmente se abre para a consumação do milagre da vida! Dizem até que eles foram felizes para sempre.

Ocorre que a aventura começa antes, não? Pois prepare o seu coração, porque agora vamos, por essa selva escura e desvairada, acompanhar a incrível jornada do óvulo (que, aliás, soube manter seu acento e sua dignidade).

A história de nosso herói começa há muito tempo: ele é a vida dentro de cada nova vida, o primeiro lampejo do rebento vindouro. Tendo sempre vivido entre os seus, no lugar em que tudo lhe era conhecido, em que tudo lhe era afável, quando a missão o chama, no momento exato em que é instado a cumpri-la, nosso herói despede-se sem hesitar de sua aldeia, e lança-se, com coragem e precisão, através do desconhecido. Com a sabedoria ancestral que lhe é inerente, segue a trilha dos que o precederam em busca do local exato, do momento preciso. Ele sabe que há apenas um lapso de tempo em que a profecia pode se cumprir. E sabe que cabe a ele, e somente a ele – o escolhido –, encontrar esse portal mágico do tempo e do espaço, para que o guerreiro não pereça em sua corrida cega. Após longos dias de viagem, encarando o risco da morte, atormentado pelo temor da vacuidade de sua existência, ainda assim ele segue impávido rumo a seu destino. Alcança o local predestinado. É ali. O local preciso. O momento exato. Ele é o escolhido. Em sua sabedoria inata, sopra nos ouvidos incautos do viajante veloz os sinais que o colocam na trilha correta. Até que finalmente pode abrir suas membranas, liberar suas abundantes enzimas. Os céus se movem: transforma-se em vida o vaticínio ancestral.

(Quem diria que o óvulo não era só um bobo ali esperando. E os cometinhas, vamos lá que são rapidões, mas a bem da verdade às vezes eles nem sabem onde estão batendo a cabeça...)

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