Para quem está genuinamente preocupado em educar as crianças
de modo que elas se tornem seres humanos menos vulneráveis a situações de
abuso, especialmente abusos sexuais, me ocorrem várias estratégias que pode ser
útil considerar.
Por exemplo, quando uma criança se recusar a comer, respeite
sua recusa. Assim ela vai aprender uma lição absolutamente fundamental: que ela
pode escolher o que entra ou não entra no seu próprio corpo, e que ninguém tem
o direito de colocar nada nele à sua revelia.
Quando ela não quiser beijar a vovó ou aceitar o beijo da
titia, receba isso com naturalidade. Caso contrário, ela pode entender que existem
pessoas a quem ela está proibida de negar intimidade ou interações corporais. (E
é bom jamais esquecer que a esmagadora maioria dos casos de abuso e violência é
cometida por pessoas conhecidas, frequentemente muito próximas, portanto a máxima
de não falar com estranhos serve para bem pouca coisa).
Quando você cometer uma injustiça com ela, e perceber isso,
peça desculpas e converse. Talvez assim ela entenda que não existe autoridade
absoluta, e que se ela sentir que o professor ou o padre a estão tratando de
modo indevido, pode ser que eles estejam mesmo.
Quando ela se queixar de qualquer coisa, ouça com atenção e
acredite que é verdadeiro e importante. Quando ela fizer o que não deve, corrija
com respeito. Só assim ela vai entender que existe um espaço de confiança e
acolhimento no qual ela pode se expor.
Permita que a criança observe e viva experiências normais e saudáveis
relacionadas à nudez e às interações corporais. A mãe atravessando a casa
pelada pra ir pegar uma fatia de mamão na geladeira e que no caminho ganha um
abraço me parece uma cena de nudez saudável. Já uma propaganda de bebida (ou de
móveis) exibindo uma desconexa moça de biquíni, não. Isso sim é uma nudez
indecente.
Assim como me parece indecente ensinar às crianças que a
interação entre corpos, nus ou não, é algo obsceno.
Sabemos que abuso não tem a ver com interação corporal ou
com sexo, tem a ver com submissão, com exercício de poder. E as crianças são educadas
ouvindo que ser uma boa criança é submeter-se, é ser boazinha e fazer o que lhe
pedem, o que lhe mandam. Isso sim é criar uma pessoa vulnerável ao abuso.
Não vamos ensinar as crianças a serem fortes e confiantes
plantando nelas a desconfiança de que em seus próprios corpos existe uma
sujeira latente que pode ser descoberta por adultos doentes. Acredito que ensinar
a soberania e a beleza inerentes a todo ser, a todo corpo, é algo muito mais
eficaz.