Eu cresci com a ideia de mim mesma como uma pessoa impulsiva. Acreditei
por muito tempo nessa narrativa que me entregaram, até que percebi que as
pessoas não veem por quanto tempo as coisas acontecem dentro de mim. Meus
processos são lentos.
Passou o Carnaval e ainda estou vinculada a uma espécie de balanço de
2023, tentando dar o fecho a uma dinâmica que insiste em lançar seus tentáculos
sobre mim e frustrar minhas expectativas de mudança.
No último ano, enfrentei algumas descobertas difíceis, dessas que são
pontos de inflexão. Eu poderia muito bem definir meu ano com base em algum
desses marcos. Mas descubro que 2023 foi para mim acima de tudo o ano em que finalmente fui
derrotada pelo aplicativo de mensagens do celular.
Não consegui dar conta.
A conversa fluida com meus círculos pessoais deu espaço a uma espécie de
(interminável) secretariado da vida prática: marcar consultas, falar com a
escola das crianças, receber as notificações do supermercado on-line,
alinhar horários e tarefas domésticas. E acabou a energia para todo o resto.
Não usufruí das conversas com os amigos, não vi as piadas da família,
não participei dos grupos de pais e mães das escolas, me contentei em
distribuir coraçõezinhos e joinhas anuindo com as decisões e iniciativas de
todo mundo, já que eu não conseguia tomar nenhuma.
As conversas um a um com as pessoas mais queridas pediram delas a
paciência de aguardar tantas vezes por respostas que demoraram a chegar tempo suficiente
para que a pergunta já não fizesse mais sentido.
Totalmente incapaz de dar conta, desisti.
Acho que pela primeira vez, parei para fazer um exercício de “balanço &
perspectivas” do meu ano. E nele sobressai uma sensação generalizada de estar
sempre devendo alguma coisa, de estar sempre perdendo alguma coisa. Uma ideia
que vinha me rodeando há tempos ganhou forma: a imagem de um fluxo de vida
permanentemente perturbado pelas demandas simultâneas, cortado pelas constantes
notificações de todo tipo, sobrecarregado pelo beliche de tarefas cada vez mais
alto. Entendi que minha principal missão este ano é encontrar limites.
Estruturar bordas e praticar a contenção, fazer o que precisa ser feito com os dois
pés juntos, mantendo as duas mãos no mesmo lugar onde esteja a minha cabeça.
Não que seja fácil. A ilusão muito concreta da vida 24/7, a ideologia
massacrante do ir além agarrada a cada poro, a cada neurônio. É preciso uma
desintoxicação do modo de trabalho da sobreposição ilimitada de tarefas, da
abertura indefinida de novas abas, da chegada infinita de notificações.
Como faz?
O exercício me fez lembrar de um poema que me encantou na adolescência,
que dizia: “Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. A lua
brilha porque alta vive”. Talvez muito impregnada pela cultura do meu tempo, e
certamente pelas minhas neuroses, vi aí uma (romantizada) injunção ao
desempenho. Dê o seu melhor, vá além. Mas ultimamente tenho conseguido enxergar
os outros versos da estrofe, que eu tinha apagado: “Para ser grande, sê
inteiro, nada teu exagera ou exclui”.
Abandonar o convite a excelência e caminhar rumo ao convite da plenitude.
Uma boa meta.
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