quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Cinderela


Fitou o espelho e admirou por um instante seu porte de porcelana. A linha da cabeça, sempre.

O conhecido movimento para alcançar a fita da sapatilha, e de súbito uma trajetória ligeiramente inusual da ponta de gesso libera um estalido que rasga a sala. A mão que passava já à fita termina de soltá-la mecanicamente.

A bailarina observa o pé liberto e olha estupefata os cacos que a refletem. Como fizera aquilo?!

Abandonando a sapatilha fatídica, levanta-se e desce correndo as escadas, embrenha-se pela rua. Os cabelos parecem saber, e soltam-se dos grampos sempre inescapáveis.

Surpreendentemente ofegante, bailarina que é, desaba sobre um banco. A planta do pé descalço acaricia a grama que o pinica.

Ao rapaz que passa pede um cigarro. Gostaria de levar em troca uma sapatilha de ponta? Ele sorri, segura-a pela fita e guarda ali o meio maço de cigarros amassado, enquanto se afasta.

Só, ela olha a praça e sente com atenção o vento gelado que lhe varre as bochechas. É bom.

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