segunda-feira, 10 de março de 2014

A delicadeza é azul. Ou cor-de-rosa-choque


Depois que tive minha filha, minha casa passou alguns meses praticamente sob a luz de um abajur da sala, coberto com um lenço lilás para quebrar a luminosidade. Na época influenciada pela ideia da exterogestação, hoje acho que muito daquela penumbra era para mim. As luzes e o volume da TV aqui em casa nunca mais foram os mesmos. E eu tão reconhecidamente estabanada ando ligeiramente fascinada pelos gestos calmos e precisos de meu marido e minha filha. Ando fascinada pela delicadeza.

Os clichês são uma desgraça. Eles ajudam a organizar a nossa compreensão do mundo, mas depois dá um trabalho desconstruir tudo... É que a delicadeza não precisa ser bem assim penumbra e tons pastel. Eu tenho uma tia que é um furacão de alegria, vibrante, bem-humorada, espalhada. E uma delicadeza. Não deve ser à toa que tenho pensado muito nela.

Recentemente virei fã de uma série de época inglesa, daquelas em que todos escolhem cada palavra, numa ginástica entre protocolo e circunstância, para se portar apropriadamente no trato com cada pessoa de cada nível social. Um pesadelo de hipocrisia, submissão e artificialidade? É... Há um certo tempo eu diria somente isso. Mas hoje tem alguma coisa ali que me atrai. A ideia de que é necessário avaliar o que se diz às pessoas, de que as coisas devem ser ditas de modo apropriado, de que há uma certa linha de contenção a ser respeitada, isso tem me interessado. (Talvez seja algo que a gente desenvolve após passar meses ouvindo cada ser humano conhecido e desconhecido te dizer se você devia ou não dar chupeta à sua filha.)

J’aime la politesse?... Evidente que esse tipo de relação protocolar se instaura para a manutenção do status quo, e não pelo respeito ao ser humano. E eu gosto das relações quentes e francas, não das frias e cifradas. No entanto... No entanto deveríamos pensar se o que vamos dizer ou fazer aos outros despertará um sorriso, trará um bem, suscitará beleza, proporcionará descobertas, subirá aos céus, culminará na revolução. Ou então, talvez possa esperar.

Estou lendo Carl Rogers, um psicólogo cujo livro me caiu nas mãos e seria uma história comprida explicar por que me interessei por ler. Acabei não lendo psicólogos na vida. De Freud alguma coisa há uma década. Da linguística na faculdade de Letras, Lacan virou fumaça no fundo do meu cérebro, e o Chomsky nem era psicólogo, ou era? Bom, estou lendo este. E ainda não achei nada muito interessante do ponto de vista da compreensão radical, crítica ou social do ser humano. O sujeito está interessado em descobrir como se estabelecem relações de ajuda, e se e como a terapia funciona. Ele acha que funciona. E que funciona pela aceitação. Que ao terapeuta cabe aceitar o cliente (ele diz cliente), o qual acaba por aceitar-se em suas múltiplas faces não congruentes, e assim permite-se ser, e em sendo se transforma. Muito autoajuda?... Meio hippie?... Estou gostando. Tem feito sentido neste momento da minha vida.

Talvez esteja aí a delicadeza: ser precariamente, deixar ser precariamente, porque a plenitude só está no horizonte, mas pelo menos está lá.

E porque há quem fale de delicadeza muito melhor do que eu:


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