Eu achava que ter um
segundo filho era apenas continuar. Um pouco mais de trabalho, claro, mas já
sei o caminho. Já sou mãe, já sei ser mãe. Voo de cruzeiro.
Evidentemente, era um
equívoco. O segundo filho não é mais um filho. É outro filho. Eu sou outra mãe.
A vida é outra.
Espantosamente, a
maternidade foi um lugar de conforto para mim. Não que não tenha havido choro,
cansaço e revoluções emocionais. Me senti sozinha, sem amigos, presa num
cotidiano de Sísifo, incapaz de terminar o mestrado. Teve uma época que passei
um mês dormindo na sala porque tinha medo do meu quarto. Pensei em largar o
mestrado. Fui procurar terapia. Mas me sentia uma ótima mãe, forte e capaz de
tudo que fosse necessário à minha filha. Eu tinha colo e leite, muito leite, leite
forte e bom, e tudo se resolvia. Eu trabalhava em casa, estava sempre por
perto, cozinhava, tinha tudo de que minha filha precisava. Meu corpo, minha voz,
minha comida, tudo isso a envolvia poderosamente, e bastava.
Seis anos depois, com um
novo bebê às vésperas de completar sete meses e frequentando o berçário há
pouco mais de dois – pois agora eu tinha um emprego formal que não me permitia
estar sempre por perto –, eu olhei para a bomba de leite uma tarde e pensei:
“Não tem como eu tirar leite hoje. Não tem mais nada dentro de mim que eu possa
dar para alguém hoje. Se eu ligar a bomba, nada vai sair de mim.”
Eu não bastava. Eu mal
era capaz de existir.
Era uma tarde de
segunda-feira. Eu estava no trabalho. Na verdade, eu estava sempre no trabalho.
Quando não estava na editora, estava trabalhando em casa, à noite, aos finais
de semana, durante a licença. Na inércia de quem trabalhou muito tempo por
conta própria, comecei um novo emprego e continuei trabalhando paralelamente em
projetos eventuais – que não são eventuais quando um sucede ao outro
infinitamente. Eu estava conciliando um emprego de tempo integral, trabalhos paralelos, uma casa
para cuidar, uma filha de seis anos e um bebê de seis meses em aleitamento
exclusivo. E não estava sobrando nada de mim.
Aquela segunda-feira
fora precedida de mais um fim de semana no qual eu precisava trabalhar. Mas não
trabalhei. Nem descansei. No sábado, tive uma crise de enxaqueca, fui pro
hospital e passei o dia mole de remédios. No domingo, meu marido estava de
plantão e eu fiquei com as meninas. Isabel não passou meia hora fora do meu
colo, numa demanda intensa e atípica. Mamou o dia todo. Nas brechas, eu
providenciava alguma coisa para eu Teresa comermos. Eu tinha muita fome. Foi
tudo que consegui fazer. Ela seguiu acordando e mamando noite afora. Quando
levantei na segunda-feira para ir ao trabalho, nem parecia que eu tinha
dormido.
Amamentar em livre
demanda é uma coisa. Sustentar a amamentação exclusiva por meio de ordenha é
outra. Naquela segunda-feira, o estoque de leite estava um pouquinho menor do
que Isabel precisava no dia. Eu tinha que deixar mais em casa, antes de ir
trabalhar. Mas não tinha forças... Peguei a bomba e minha caneca gigante de
café e fui pro trabalho. Meu peito iria encher ao longo do dia.
Mas não encheu. Eu não
tinha coragem de ligar a bomba. Tinha medo. No meio da tarde, finalmente
consegui ordenhar um pouco. Saí um pouquinho mais cedo do trabalho para
amamentar Isabel na creche, já que o leite lá estava pouco. Eu me sentia
exausta, frustrada, fracassada. Sustentar a amamentação exclusiva era o mínimo
que eu queria garantir. Que eu devia garantir. Minha bebê não teria minha
presença todos os dias, mas teria meu leite, nosso leite. Como eu poderia
garantir alguma coisa para ela, se não estava sustentando nem a mim?
Peguei as meninas na
escola, comprei sanduíches prontos que comemos no carro. O plano era chegar em
casa e ir direto pra cama. Fomos. Mas Isabel não se acalmava e continuava querendo
colo o tempo todo. Meu marido de plantão, voltaria só de madrugada. Então eu surtei,
entrei em pânico. Liguei chorando pros meus pais, que moram do outro lado do
estado. Eu tinha medo do escuro. Percebi que não podia ficar sozinha em casa com
as crianças aquela noite, e fui para ac asa de uma amiga. Voltei de madrugada,
quando meu marido saiu do trabalho.
Ele ficou com as
crianças para eu poder dormir. Na exaustão, eu não dormia, dominada por pensamentos
obsessivos. E finalmente me dei conta: eu não precisava ficar sem minha filha,
o que eu precisava era ficar com ela. Não era meu bebê que estava me esgotando,
era o conjunto da minha vida. E ela estava gritando isso para eu ouvir, há 48
horas.
No dia seguinte, fiquei
em casa. Dormi um pouco mais. Escrevi para meus clientes e expliquei que estava
doente, repassei projetos. Arrumei meu armário e guardei pilhas de coisas minhas
que se amontoavam há semanas pela casa porque eu não conseguia tempo para arrumar. Meus
pais apareceram, encheram o congelador de comida. (Me vulnerabilizar diante dos
meus pais foi algo cuja importância não consegui medir ainda. Suspeito que seja
enorme.)
Decidimos, eu e meu
marido, que Isabel começaria a comer frutas amassadas na creche. Ela estava
completando sete meses, mas ainda não sentava com firmeza, ainda engasgava um
pouco, por isso seguíamos mantendo-a exclusivamente no leite. Queríamos que ela
começasse a comer com autonomia. Essa havia sido nossa experiência com a
Teresa. Mas tudo era diferente agora, e Isabel passaria pelas papinhas. Chorei ao
conversar com a berçarista, claro, que me falou do privilégio que tem um bebê
cuja mãe trabalha e consegue chegar aos sete meses em aleitamento materno exclusivo.
Isabel completou nove meses, já senta, come e
me olha com aqueles olhos. E eu vou catando meus pedaços. Tentando entender que
com organização, dedicação e força de vontade não se consegue tudo. Isso é uma
bobagem. Mas com ajuda se consegue muita coisa. Ajuda dos amigos prontos a
acolher, dos pais que correm em socorro, do marido parceiro, da berçarista, da
terapeuta, da faxineira. Das tantas mulheres que me acolhem, dentro e fora de
mim. E de um bebê incansável que não deixa de me lembrar o tamanho da minha
humanidade.