terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Colo


Quando pensei que perderia minha mãe, me perdi.

Saí andando pela cidade, quilômetros e quilômetros, em direção a lugar nenhum.

A boa amiga me acompanha, toma café, senta na praça, toma espumante, me compra uma lembrancinha afetuosa. Recorda que tudo passa.

Quando a gente se perde, sempre acha alguma coisa.

Eu achei o desconcerto de não saber quem sou. Se não houver minha mãe a quem agradar, a quem contestar, qual o parâmetro da vida? Sem perseguir sua admiração e seu repúdio, para onde vou? Sem precisar caber no seu desejo, terei de descobrir o meu. Sem precisar caber no seu molde, posso ter a forma que eu quiser. Uma liberdade insustentável, insuportável, em que todas as minhas partes se espalham, espatifadas e confusas.

Para reunir os pedaços, precisei descer até o fundo da tristeza. De lá, voltei comigo no colo.


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