Apesar de eu desconfiar
enormemente da ideia de progresso, de mudanças progressistas, como se pudesse
haver na sociedade evoluções lineares e isentas da contradição, não consigo
deixar de pensar nesse estatuto como uma aberração e um "passo atrás",
um retrocesso.
Em vez de seguirmos em direção
à descriminalização do aborto, do aborto como escolha da mulher – uma escolha
pesada e cujo ônus ela própria carregará por toda a vida –, estamos a um passo
de criminalizar mulheres estupradas que se recusem a perpetuar a violência
sofrida gerando em seu próprio corpo o filho de seu agressor; mulheres doentes
que façam a excruciante escolha de salvar sua vida em detrimento da do feto que
carregam em seu ventre; mulheres que passaram pela já dolorosíssima experiência
de sofrer um aborto espontâneo.
Este é um país laico. Nós, que
de maneira geral vivemos sob os valores e as circunstâncias do mundo ocidental
contemporâneo, costumamos ter muito pouca dificuldade em olhar para as
sociedades muçulmanas teocráticas, por exemplo, e dizer “Que absurdo!”, “Que
atraso!” Muito bem, se é ponto pacífico que não queremos uma sociedade
teocrática, então nossas crenças pessoais de âmbito religioso não interessam à
discussão. Não cabem. Simples assim. Cada um leva a sua vida particular de
acordo com suas crenças particulares. Elas não entram na arena pública.
Mas talvez o mais insuportável
para mim seja a facilidade com que discussões delicadas como essa descambam
para o moralismo. Do mesmo modo como a moça bonita de saia curta não é levada a
sério quando denuncia um estupro, as vozes guiadas pela lógica da culpa e do
pecado logo se levantam para marcar com o mais pesado estigma a mulher que opta pelo
aborto: "Em caso de estupro posso até pensar no assunto, mas por simples
escolha não – não foi bom fazer? agora cria!"...
E assim, do mesmo modo como
exigimos das crianças uma retidão moral e de comportamento que nós adultos
estamos longe de exibir, colocamos sobre os ombros das mulheres toda a punição
pelo sexo pecado que ainda habita nossas mentes e corpos. Porque na sociedade
machista e patriarcal em que vivemos, o filho desejado, sobretudo o varão, é
orgulho do pai; mas o filho não planejado, não desejado – não tenhamos a menor
dúvida! – é problema da mãe.
Ei! Sabia que já tinha lido essas palavras ;)
ResponderExcluirRsss... Não sei se fere a etiqueta da blogagem, mas não resisti... ;)
ExcluirAo colar meu texto, acabei não comentando como gostei do seu, o qual fez eco em algo que tenho pensado muito atualmente: que às pessoas cujas atitudes consideramos equivocadas, ruins, nos cabe mais oferecer ajuda do que julgamentos...
(Quem quiser ver o texto da Carol, vai lá: http://minhamaequedisse.com/2013/06/a-liberdade-de-escolher-ser-mae/)