quarta-feira, 19 de junho de 2013

Estatuto do nascituro


Apesar de eu desconfiar enormemente da ideia de progresso, de mudanças progressistas, como se pudesse haver na sociedade evoluções lineares e isentas da contradição, não consigo deixar de pensar nesse estatuto como uma aberração e um "passo atrás", um retrocesso.

Em vez de seguirmos em direção à descriminalização do aborto, do aborto como escolha da mulher – uma escolha pesada e cujo ônus ela própria carregará por toda a vida –, estamos a um passo de criminalizar mulheres estupradas que se recusem a perpetuar a violência sofrida gerando em seu próprio corpo o filho de seu agressor; mulheres doentes que façam a excruciante escolha de salvar sua vida em detrimento da do feto que carregam em seu ventre; mulheres que passaram pela já dolorosíssima experiência de sofrer um aborto espontâneo.

Este é um país laico. Nós, que de maneira geral vivemos sob os valores e as circunstâncias do mundo ocidental contemporâneo, costumamos ter muito pouca dificuldade em olhar para as sociedades muçulmanas teocráticas, por exemplo, e dizer “Que absurdo!”, “Que atraso!” Muito bem, se é ponto pacífico que não queremos uma sociedade teocrática, então nossas crenças pessoais de âmbito religioso não interessam à discussão. Não cabem. Simples assim. Cada um leva a sua vida particular de acordo com suas crenças particulares. Elas não entram na arena pública.

Mas talvez o mais insuportável para mim seja a facilidade com que discussões delicadas como essa descambam para o moralismo. Do mesmo modo como a moça bonita de saia curta não é levada a sério quando denuncia um estupro, as vozes guiadas pela lógica da culpa e do pecado logo se levantam para marcar com o mais pesado estigma a mulher que opta pelo aborto: "Em caso de estupro posso até pensar no assunto, mas por simples escolha não – não foi bom fazer? agora cria!"...

E assim, do mesmo modo como exigimos das crianças uma retidão moral e de comportamento que nós adultos estamos longe de exibir, colocamos sobre os ombros das mulheres toda a punição pelo sexo pecado que ainda habita nossas mentes e corpos. Porque na sociedade machista e patriarcal em que vivemos, o filho desejado, sobretudo o varão, é orgulho do pai; mas o filho não planejado, não desejado – não tenhamos a menor dúvida! – é problema da mãe.


2 comentários:

  1. Ei! Sabia que já tinha lido essas palavras ;)

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    1. Rsss... Não sei se fere a etiqueta da blogagem, mas não resisti... ;)

      Ao colar meu texto, acabei não comentando como gostei do seu, o qual fez eco em algo que tenho pensado muito atualmente: que às pessoas cujas atitudes consideramos equivocadas, ruins, nos cabe mais oferecer ajuda do que julgamentos...

      (Quem quiser ver o texto da Carol, vai lá: http://minhamaequedisse.com/2013/06/a-liberdade-de-escolher-ser-mae/)

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